Assim surgiu o Integralismo Lusitano com Sardinha, Pequito Rebelo, Hipólito Raposo, Almeida Braga, João do Ameal, Alberto Monsaraz, Rolão Preto, etc. Começaram eles por publicar uma revista a Nação Portuguesa, constituir um movimento e ter um jornal denominado Monarquia. No primeiro número da Nação Portuguesa, apareceu um texto célebre "O que nós queremos". Aí se traça a concepção de uma monarquia de poder pessoal como condição sine qua non da sobrevivência da Portugalidade.
Mas o que os integralistas dessa época expunham era bastante mais do que esse texto dizia.
Eles desenvolviam um nacionalismo claro, corporizado, verbi gratia, nas palavras de Sardinha "pondo a nacionalidade como razão e fim de nós próprios, concluímos na necessidade do Rei como elemento do seu prestígio e da sua existência".
E não esqueçamos que, na obra de maior fundo teorético do Integralismo – Pela Dedução à Monarquia de Pequito Rebelo – este, depois de traçar a hierarquia ontológica-axiológica dos seres – "matéria-força, organismo vivo, pessoa humana e sociedade", não hesitava em escrever que "a pessoa humana, constituindo parte da sociedade, é menos complexa que a sociedade", continuando mais adiante "o mal reside até, não directa e essencialmente na personalidade, mas na actualização de uma possibilidade da personalidade que é exactamente a possibilidade que tem a personalidade de persistir em si mesma não se integrando nas leis sociais".
Como se vê, o Integralismo tomava posição universalista na questão básica "indivíduo-sociedade". Dela é que decorria a sua atitude monárquica. E nem vale a pena exibir as páginas, tão numerosas elas são, em que a partir das suas concepções iniciais, deduzia uma série de negações firmes como o repúdio do liberalismo e da democracia e do período constitucional.
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Anote-se que o Integralismo inicial foi acompanhado, desde 1915, por um escritor que jamais aderiu formalmente a ele, mas com cuja doutrina declarava estar de acordo por inteiro. Refiro-me a Alfredo Pimenta, um dos mais coerentes, mais eruditos e mais desassombrados dos pensadores monárquicos portugueses.
E não se deixe de salientar que se o Integralismo considerava pseudo-monarquia a chamada monarquia liberal, condenava ainda como desvio perigoso do rumo normal da tradição, a denominada monarquia absoluta, em que as Cortes deixaram de ser ouvidas.
Quanto a nós, a monarquia desapareceu, efectivamente, em 1820 (com breve reaparecimento, no reinado de D. Miguel) mas não sofreu o desvio perigoso com um chamado absolutismo caracterizado pela não reunião de Cortes. As Cortes eram convocadas por iniciativa do Rei e que, durante largo tempo, não fossem convocadas, em nada alterava a constituição da Monarquia.
Não vou aqui deter-me longamente nas vicissitudes do Integralismo. Ele, de início, aceitou a realeza de D. Manuel II, sem embargo deste, em 1914, data do aparecimento da Nação Portuguesa, não ter renegado a Carta e não ter dado sinais de se aproximar da genuína realeza.
Em Janeiro de 1919, teve lugar a Monarquia do Norte, assim chamada porque durante cerca de um mês a norte do Douro, a bandeira azul e branca substituiu aí a verde e vermelha. D. Manuel, partidário entusiasta dos meios legalitários e, aliás, pouco informado, permaneceu alheio à revolta.
O Integralismo, depois da vitória do regime republicano escolheu o momento para formular um Ultimato ao Rei exigindo que repudiasse a Carta e adoptasse a doutrina tradicionalista. Como aquele não aceitasse a exigência, os integralistas desligaram-se da obediência a quem, até então, acatavam como soberano e aclamaram rei o descendente de D. Miguel, D. Duarte Nuno de Bragança (a seguir a várias abdicações), uma criança ainda que ficou sob tutela da Infanta D. Aldegundes.
Monárquicos houve que, aderindo aos princípios integralistas, achavam descabida a imposição feita a D. Manuel. Por exemplo, Alfredo Pimenta.
Em 1922, celebrou-se o Pacto de Paris, entre o ramo miguelista e o ramo manuelista. D. Aldegundes em nome do Sr. D. Duarte, reconhecia a realeza de D. Manuel. E estabeleceu-se que a futura constituição seria da competência das Cortes.
Os integralistas repudiaram o Pacto considerando-o, e bem, uma pura expressão de parlamentarismo, usando até António Sardinha a dura expressão "atraiçoados por uma infanta de Portugal".
Nessa altura, o Integralismo Lusitano dissolveu-se enquanto organização política, apenas ressurgindo quando o Pacto foi denunciado por D. Aldegundes, em 1925. Já então morrera Sardinha.
Entretanto, após algumas tentativas infrutíferas, os integralistas manuelistas estruturaram-se num grupo sólido, que foi a Acção Realista Portuguesa, em que Alfredo Pimenta era vulto destacado e onde se salientaram Caetano Beirão, João Ameal, Fernando de Campos, António Cabral, Luís Chaves, Ernesto Gonçalves e outros.
Depois do 28 de Maio, um dos fundadores do Integralismo, exilado no Brasil, a seguir a 1919 – João do Amaral –, regressou e fundou a Liga de Acção Integralista, a que aderiram a Acção Realista e uma série de Integralistas da nova geração. Nesse período agitado, em que as tentativas de golpe abundavam, uma série de oficiais, ligados à referida Liga, falharam na imposição das suas directrizes, arrastando-a na débacle. Permaneceram a Acção Realista, tal como os velhos integralistas.
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Em 1939, foram numerosas as defecções. Alguns exemplos. (...)
Hipólito Raposo que em 1936 asseverava "se não fossem as reacções salvadoras da Itália e da Alemanha... a Europa teria abdicado do seu título de mãe da civilização cristã", em 1940, no prefácio do livro Amar e Servir alude aos "totalitarismos em seus exageros criminosos, desprezadores da moral e dos direitos das gentes, negadores da personalidade humana". E o velho lutador contra a monarquia constitucional, que equiparava à república, ei-lo que desponta a elogiar a pseudo-monarquia inglesa bradando "na Grã-Bretanha reina uma monarquia que ainda há pouco deu prova da sua vitalidade, uma nobreza com função social e uma câmara dos Lordes com pares hereditários", monarquia, nobreza e Câmara dos Lordes que não passavam, naquela época, na Grã-Bretanha, de presenças decorativas.
E, depois, Hipólito investe contra o Estado Novo que corporiza numa imaginária República da Ilusitânia a qual "fica situada à maior latitude do Arbítrio Pessoal e na maior longitude da Razão política".
"Convertendo ou pervertendo os meios em fins na Ilusitânia deixou de haver escala e medida nos sacrifícios impostos pelo estatismo puro a benefício de quem lá governa e administra". Salazar e Carmona a encherem os bolsos como hoje os abrilinos. Enfim! E, perdido todo o bom senso, Hipólito proclama que "a mendicidade aberta ou descoberta é o meio de vida de metade da população" de Lisboa. Embora muito jovem, vivi nessa época e encolho os ombros.
Quanto a Pequito Rebelo, em 1942, numa conferência proclama "a doutrina da personalidade, um indicador da tendência da evolução" achando que "o integralismo se mostrou mais pró-personalista que anti-individualista", numa auto-interpretação assaz discutível. Depois, aponta à segunda geração integralista a missão de "combater a pseudo-nação" que era como designava o Estado Novo. Isto no momento em que no nosso país a anti-nação erguia de novo a cabeça. Mas combater a pseudo-nação de que ponto de vista? Pelo que tinha de transigente, de vestígios de democracia, de não rigorosamente autoritária? Nada disso. Interessava-lhe como um dos pontos básicos a "salvaguarda da dignidade e dos direitos da pessoa humana".
E na altura em que a Inglaterra era a campeã da democracia lá vinha dedicar um volume assaz fantasista "O Aspecto Espiritual da Aliança Inglesa".
Por seu turno Almeida Braga, em 1944, no prefácio a livro de um militar heróico, que se mostrou insensato líder político (diga-se entre parêntesis que por exemplo em 37 ele achava que "o nosso libelo contra o liberalismo não visa as alegadas finalidades de liberdade e fraternidade que são justas e cristãs e como tais dignas de franca aprovação, mas sim apenas as suas fórmulas de realização prática") Almeida Braga, repetimos, exalta "a liberdade política", condena "a rigidez molesta da censura" e lembrado, por certo, dos elogios que, na revista Integralismo Lusitano – Estudos Portugueses, vol. II, fascículo IV, Julho de 1933, p. 242 e fascículo VI, Agosto de 1933, pp. 327-328, sob os títulos, respectivamente, "Itália gloriosa" e "Giovinezza, Giovinezza", quando já tinha sido formulada por Mussolini (e Gentile) o que pitorescamente classifica de "doutrina satânica", dedicara ao Fascismo, adverte "já pode dizer-se" (o já é uma delícia) que "o fascismo foi um erro político".
Alberto de Monsaraz, em 1945, em plena ofensiva do MUD contra o Estado Novo, em que anti-nação parecia prestes a triunfar, lá veio com um opúsculo Altura Solar, exalçando "as múltiplas liberdades individuais com que se dignifica a personalidade humana" e apontando "o alto exemplo da Inglaterra monárquica, derradeiro baluarte de liberdades".
O mal que estes desvios doutrinários produziram nos ambientes nacionalistas, que veneravam os autores mencionados como mestres, foi incalculável.
No momento em que parecia que se ia voltar ao caos anterior ao 28 de Maio e o nacionalismo seria varrido da terra, os mais respeitados dos seus fundadores resolviam alinhar com os erros triunfantes, trazendo a maior das desorientações a velhos e novos.
Felizmente, houve Alfredo Pimenta que se manteve impávido face à onda de desvario, apegado às antigas verdades, recusando-se sempre a pactuar com o liberalismo, a democracia, os direitos do homem, a eminente dignidade da pessoa humana e quejandas tolices.
Por circunstâncias ligadas à guerra fria, o Estado Novo de Salazar pôde ir sobrevivendo, mas já enfraquecido, forçado a relações perigosas e privado do que poderia ser, no plano doutrinário, uma crítica positiva de extrema-direita, visando a monarquia integral.
Ao invés, em 1947, apareceu uma gazeta dita monárquica Diário Nacional, patrocinado pelos ex-integralistas que referimos, um dos quais – Alberto de Monsaraz – resolveu considerar as denominadas quatro liberdades de Roosevelt – a que chamava Carta do Atlântico – como pilares da Realeza. Essa gazeta era entusiasta da monarquia democrática, ou seja, do círculo quadrado. Alfredo Pimenta combateu energicamente o triste papel, que não durou muito tempo. Ai de nós, deixou semente. Nas várias campanhas eleitorais lá iam aparecendo listas que se proclamavam monárquicas e o que eram realmente é demo-liberais.
Em 1950, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Almeida Braga deram à luz, creio que na pequena revista Gil Vicente um manifesto, republicado na Cidade Nova, IIª série, n.º 6, de 1951, em que além da habitual reivindicação da liberdade de imprensa propunham que as Cortes tivessem funções deliberativas na votação e alteração da Lei Fundamental.
Precisamente um dos pontos que os fez repudiar o Pacto de Paris em 1922. Onde tínhamos chegado!
António José de Brito in «Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português», Outubro de 2001.