Os erros de Rousseau à luz da biologia animal


Para Rousseau, o homem era originalmente um ser solitário. É só quando a sociedade passa a ser uma necessidade, por consequência, assaz tardiamente, que ele é pervertido e se torna mau. A sociedade será a fonte de todos os males. Na realidade, esta teoria é inteiramente desmentida pelos factos. Sabemos que o homem nunca foi um ser solitário, porque a espécie humana é uma espécie social.
Rousseau sustentou igualmente que a propriedade era uma invenção do homem social, que ela se tornou inevitável pela instauração da sociedade, que ela levou, por sua vez, à criação do Estado, e que este último institucionalizou as desigualdades, totalmente artificiais, garantindo a protecção dos que possuíam em relação aos que não possuíam (ou se que quisermos, a protecção dos soberanos em relação aos súbditos). A propriedade, também ela, seria a fonte do mal. É o que sustentam, sob uma forma um pouco mais elaborada, os diferentes teóricos marxistas. Eu afirmo, ao contrário, que a propriedade não é obra do homem e que ela existe desde que o homem existe.
Enfim, segundo Rousseau, o homem primitivo teria sido «naturalmente bom». O mito bem conhecido do «bom selvagem», tal como Jean-Jacques Rousseau o exprime nas primeiras linhas de Emílio: «O homem nasceu bom e feliz. É a sociedade a causa da sua ruína». Esta afirmação encontra-se em toda a obra de Rousseau; ela impregna todas as suas teorias. Mas não tem fundamento algum, como prova a biologia.
Os trabalhos de Tinbergen, de Lorenz, de Hall, e de muitos outros, demonstram de forma irrefutável, que a maior parte das espécies existentes são espécies sociais. Os indivíduos que as compõem vivem em grupos, porque necessitam uns dos outros para sobreviverem. Todos os macacos, todos os primatas, são espécies sociais. Os grupos podem ter, aliás, uma importância variável. O gibão, por exemplo, vive em família, enquanto o grupo base de certos macacos japoneses, pode atingir quinhentos ou seiscentos indivíduos. (...)
Assim, a sociedade não é uma criação tardia para a qual o homem teria sido empurrado por constrangimentos momentâneos. Ela faz, integralmente, parte da sua natureza.
Uma outra observação que se impõe ao estudo das espécies animais, e muito particularmente das espécies sociais superiores, quer se trate dos macacos da Etiópia, dos búfalos ou dos símios, é a existência de uma hierarquia. No seio dos grupos, certos indivíduos exercem uma influência mais forte e mais durável do que os outros: são os alfa. Nos galináceos são os que darão mais bicadas aos outros; nas vacas, os que dão maior número de cornadas. São estes que escolhem e se apoderam das fêmeas mais belas, que traçam os limites do território, que dão o sinal para a refeição, etc. Em suma, os alfa são os indivíduos dominantes do grupo. A hierarquia é, por consequência, também ela um facto natural.
A biologia mostra-nos até que ponto a espécie humana está enraizada na natureza. Seria, aliás, prova de um limitado espírito científico, imaginar que por alguma razão misteriosa o homem não obedecia, no que ele tem de comum com os outros animais, às leis que regem a totalidade dos seres vivos. Como podemos ver, as observações que se podem fazer a propósito da sociedade e do mundo dos seres vivos, não estão particularmente orientadas no mesmo sentido das ideias de Rousseau. Estão em completa contradição com elas.
Mas queria dizer-vos ainda algumas palavras a propósito do território. Nos animais o território é exactamente equivalente à propriedade nos seres humanos. Pode ser ocupado por um indivíduo, um casal, uma família, um grupo. Em qualquer dos casos define-se como uma extensão de terreno à qual o seu, ou os seus proprietários, consideram como sua pertença, e que defendem contra as passagens ou intromissões de indivíduos ou de grupos estranhos.
A noção de território e o instinto que a ele se prende (o instinto territorial) foram descobertos em 1920 por um ornitólogo britânico chamado Eliot Howard. Tendo ficado muito tempo ignorado, este princípio foi sendo, no entanto, progressivamente aceite pela maior parte dos biólogos. Só foi, contudo, objecto de importantes discussões desde a saída do meu livro intitulado O Imperativo Territorial. Simultaneamente, depois de Howard (cujos trabalhos se debruçavam exclusivamente sobre pássaros) outros cientistas verificaram a realidade deste princípio em muitas outras espécies animais, fossem lagartos ou peixes, macacos ou cães, em suma, por oposição aos insectos, em quase todos os vertebrados. Sustento, por minha parte, que o território é igualmente uma noção humana, que nós somos uma espécie territorial. Esta afirmação foi, claro está, vivamente discutida, porque trazia consigo um debate que abrangia o domínio reservado por excelência. Opõe-se, voluntariamente o reconheço, a certas convicções filosóficas ou metafísicas. Mas os factos são inflexíveis. Por isso, a oposição com a qual fui esbarrar, não era tanto uma oposição científica (para todo o biólogo se torna evidente que o homem é dotado de um instinto territorial) mas político-filosófica. A demonstrar que certas leis animais se aplicam também ao homem, ao sublinhar que o homem não escapa à lei natural que rege, como já disse, a totalidade dos seres vivos, melindrei frontalmente as ideologias românticas que decorrem das teorias de Rousseau.

Robert Ardrey in revista «Futuro Presente», Janeiro-Fevereiro de 1983.


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