No aniversário do Tratado de Latrão


A obra de Mussolini em todos os domínios da vida colectiva italiana é vastíssima e profunda.
Dir-se-ia que Mussolini, empunhando arado gigantesco, lavrara de lés-a-lés a Campina romana, abrindo sulcos fundos como abismos, e largos como oceanos.
Não sei se erro. Mas penso que maior que a conquista da Etiópia e a secagem dos pântanos; maior do que os Códigos e a legislação dos trabalhadores; maior do que as reformas universitárias e as escavações – maior do que tudo o que deslumbra e fascina os olhos das massas, ou que contenta e satisfaz os corpos das turbas, maior do que tudo isso é a resolução da Questão Romana, espinho cravado no coração da Igreja e no coração da Itália.
Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre a forma dessa resolução, ninguém pode negar que foi uma resolução que veio ao encontro de todo o mundo católico.
Os Acordos de Latrão são a pedra mais fulgida de toda a sua obra de Duce da Itália.
Ainda que não tivesse feito mais nada, nos vinte e um anos da sua vida política, os Acordos de Latrão seriam motivo bastante para que o seu nome ficasse para sempre esculpido na história da Igreja e da Itália.
Pois, como hei-de dizê-lo?
Quem ouve os homens de hoje, os que sobreviveram à derrota da Europa e à vitória das Democracias; quem, amanhã, daqui a anos ou a séculos, ler os homens de hoje, terá que ao formar juízos candentes como brasas, ou concluir esta coisa estupenda: Mussolini nunca existiu! Figura mais do que lendária, mais do que mitológica, porque as personagens da Lenda e da Mitologia ainda são descritas nos contos da carochinha ou nos poemas heróicos ou líricos da velha antiguidade; Mussolini porém não deixa rasto, não se menciona, e enterra-se a mil braças de profundidade, e some-se sob Himalaias de silêncio.
Desgraçadamente não exagero. Os factos são os factos, e contra eles não há considerações que valham.
O chamado Dissídio Romano é fenómeno complexo, ligado ao problema da legitimidade ou não legitimidade da existência do Estado temporal dos Papas. Abriu-o a Revolução Francesa. Enchem-no dezenas de incidentes, até que em 1870, com a ocupação de Roma pelas tropas italianas de Victor Manuel, e em 13 de Maio de 1871, com a votação da Lei das garantias, o governo italiano considerou, por sua parte, arrumada, morta, a questão.
O Papado tomou posição contrária, a adoptou o regime do non possumus. Não que pretendesse voltar ao passado. Mas exigia uma solução bilateral, e não aceitava a imposição de um Diktat.
Passam os tempos. Ao non possumus sucede o non expedit. E a certa altura, em 23 de Maio de 1887, Leão XIII manifesta claramente o seu desejo de ver a questão romana resolvida com justiça e dignidade. Mas o governo italiano, pela voz de Crispi, declarava que não lhe interessava o que se pensava no Vaticano, porque a Itália só reconhecia um chefe – o Rei.
E os anos passaram. O non expedit foi revogado (1919).
Em 21 de Junho de 1921, em Montecitorio, uma voz, a do deputado nacionalista Rocco, diz que não lhe parece impossível um acordo entre a Itália e o Vaticano.
Mas era necessário que «a nação italiana se pusesse de pé, e fossem dispersos os resíduos demo-maçónicos, que a Maçonaria fosse quebrada, e as forças católicas restauradas», para que o acordo encontrasse o seu momento próprio. Era indispensável ainda mais uma coisa. Era indispensável, para me servir da expressão eloquente do Pontífice Pio XI, que existisse «um homem como aquele que a Providência» pôs diante de si, «um homem sem as preocupações da escola liberal», para ele, Pontífice, poder «restituir Deus à Itália, e a Itália a Deus» (Alocução de 13 de Fevereiro de 1929).
Mas antes disso, Mussolini preparara o ambiente: cedera a biblioteca do Palácio Chigi à Biblioteca Vaticana; restituíra o convento de Assis, restaurara o culto de dezenas de igrejas; fizera voltar muitos conventos ao poder das ordens religiosas; reconhecera títulos pontifícios; restabelecera o ensino católico nas escolas primárias; reimplantara o crucifixo nas escolas, nas repartições públicas e no Parlamento; instituíra capelães militares, e a assistência católica na Juventude e na Mocidade... Et j'en passe... E finalmente, promovera a reforma da legislação eclesiástica vigente, com a colaboração de três prelados romanos.
Em 14 de Maio de 1926, o Ministro da Justiça podia aludir a «bases mais largas» de uma futura conversa entre o Vaticano e a Itália. Nesse mesmo dia, o Vaticano telefonava a Monsenhor Pucci, jornalista, para lhe pedir que lhe dissesse o significado das palavras do Ministro. No dia seguinte, o esclarecimento era dado: tratava-se de resolver a questão romana. E logo o Cardeal Gasparri avisa Monsenhor Pucci de que se é assim, que Mussolini encarregue alguém, por meio de carta, de se entender com o Vaticano, e este verá o que é possível fazer-se.
Não estou a escrever a história do grande acontecimento. Direi apenas que em 24 de Novembro de 1926 se fixava um ante-projecto assinado pelo jurisconsulto Barone, representante de Mussolini, e pelo advogado Pacelli, representante do Cardeal Gasparri.
Correram, vagarosas, as negociações e no maior dos segredos. Mas em 11 de Fevereiro de 1929, entre as onze da manhã e o meio-dia, no Palácio de Latrão, o Cardeal Gasparri e Mussolini assinavam três convenções que punham termo à Questão Romana.
Como é possível tentar-se arrancar isto da História? Como é possível pretender-se apagar isto da História? Como é possível defraudar-se a Verdade?
Dez anos depois, foi a guerra que as Democracias provocaram, procurando cercar, para as abafar, a Alemanha hitleriana e a Itália mussolínica.
Ao fim de cinco anos de luta, em que nem a Alemanha nem a Itália deram tudo quanto podiam dar, porque cedo começaram a sofrer as consequências da traição dos generais, na Alemanha, e da traição da Corte, na Itália, ao fim de cinco anos de luta, as Democracias venceram, morrendo Hitler sob os escombros da Chancelaria do Reich, morrendo Mussolini às mãos de agentes das Democracias.
Quatro anos depois, celebra-se em Roma, e no Vaticano, o vigésimo aniversário dos Acordos de Latrão.
Na manhã de 11 de Fevereiro de 1949, é recebido, no Vaticano, pelo Sumo Pontífice Pio XII, em audiência, «in Udienza solenne», o sr. De Gasperi, Presidente do Conselho da República italiana – liberal, democrática, maçónica e comunizante, que inscreveu na sua Constituição, por benevolência requintada dos comunistas, os Acordos de Latrão que tinham posto termo ao dissídio católico-italiano.
O sr. De Gasperi fez-se acompanhar de grande comitiva; e grande foi o cortejo que se formou, e atravessou os salões do Vaticano, até à Biblioteca particular de Sua Santidade em que o Presidente do Conselho italiano foi introduzido. A conversa entre o Chefe da Igreja e o Chefe do Governo durou mais de cinquenta minutos. Terminado o colóquio cordial, a comitiva do político italiano foi apresentada ao Pontífice. Este falou, então. E as suas palavras estão no Osservatore Romano. Disse o Santo Padre que a visita do Chefe do Governo italiano significava «um riconoscimento e una promessa». Reconhecimento da «grande obra de paz e conciliação que um Papa de largas vistas e de grande coração realizara com firmeza e coragem».
Permito-me observar duas coisas:
1.º - A obra de paz e conciliação de que em 11 de Fevereiro de 1949 se festejou o vigésimo aniversário foi uma obra unilateral, individual, ou foi obra bilateral, colectiva, de colaboração?
2.º - No primeiro caso, como se compreende que Pio XI não tivesse posto em execução o seu projecto de 24 de Novembro de 1926?
Na já citada Alocução de 13 de Fevereiro de 1929, o Papa Pio XI, depois de ter lembrado que, para resolver o grande dissídio, era preciso um Papa alpinista, para não temer as vertigens, e um Papa bibliotecário, para se documentar, acrescentou que devia dizer que «fora nobremente secundado também pela outra parte». Esta outra parte que colaborara nobremente na resolução do dissídio era precisamente aquele homem despido dos preconceitos da escola liberal que o ajudara a restituir Deus à Itália e a Itália a Deus, e se chamou, em vida, e se chamará na eternidade da História, Benito Mussolini.
Como é que o Papa Pio XII celebra, e com toda a justiça, o nome de um dos autores dos Pactos de Latrão, e não tem sombra de palavra piedosa, humana e caritativa, para o outro, o que foi ignobilmente massacrado em Dongo por aqueles que levaram ao Poder Sua Excelência De Gasperi, Chefe do Governo italiano, que Sua Santidade recebeu em audiência solene?
Sempre quis acreditar que o Papa, mesmo em matéria política, saberia manter-se superior a paixões mesquinhas, a injustiças arrepiantes, a tentações que degradam. Temeu, porventura, Sua Santidade, ofender os ouvidos castamente democráticos do sr. De Gasperi, e do seu aliado, o camarada Togliatti, e do seu cúmplice, o conde Sforza, pronunciando o nome do mártir do Dongo, que a Providência enviara a Pio XI, para que Deus voltasse à Itália, e a Itália voltasse a Deus? Receou, acaso, o Augusto Pontífice, irritar o herói democrático que caçou Mussolini e o executou cobardemente, miseravelmente?
Nem uma palavra, nem um pensamento! Nada. Mussolini nunca existiu! Os Acordos de Latrão foram única e exclusivamente obra de Pio XI. Ele os concebeu, ele os redigiu, ele os emendou, ele os promulgou, ele os impôs à Itália e à Catolicidade. Ele é o Pontífice de largas vistas e de coração magnânimo. Mussolini? Nunca existiu!
Nesse mesmo dia, em Roma, «nella chiesa di S. Ivo ala Sapienza», houve Missa Solene celebrada por Sua Eminência o Cardeal Pizzardo, para festejar o vigésimo aniversário da Conciliação.
Ao Evangelho, Sua Eminência falou aos assistentes, para lhes dizer que a Conciliação «é um dos maiores actos do grande Pontífice Pio XI que quis dar à sua queridíssima Pátria italiana a Paz de Cristo no Reino de Cristo». Para a alcançar, era necessária grande clareza de vistas e uma força de vontade verdadeiramente extraordinária. Ele conduziria «pessoalmente» as negociações, assumindo-lhes todas as responsabilidades. Não há nos Acordos de Latrão «uma linha, uma expressão, que não tenham sido objecto do seu estudo pessoal, da sua meditação, e principalmente das suas orações». Por fim, pediu aos presentes uma «oração pelo grande Pontífice, pelo Cardeal Gasparri, pelo advogado Pacelli, seus fiéis colaboradores».
Mussolini? Nunca existiu! E por isso nem um Padre-Nosso e uma Ave-Maria pelo descanso da sua alma! Mas quando Roosevelt, maçon, filho da heresia luterana, cheio de preconceitos da escola liberal, morreu de morte natural, a Igreja deu-lhe as honras de exéquias solenes na Notre-Dame de Paris – contra as prescrições formais do Código Canónico! Para o pobre Mussolini, nem um Padre-Nosso, Ave-Maria! É que sua Eminência o Cardeal Pizzardo nunca deu por ele, ao estudar a Conciliação!
No próprio dia 11 desse Fevereiro, o Osservatore Romano publicava extenso artigo sobre o acontecimento. Exposição histórica, na sua quase totalidade. Mas ao aproximar-se do fim, fala nos Acordos. Lembra o Pontífice Pio XI e... Francesco Pacelli.
Mussolini? Nunca existiu!
Mas em 15 de Março de 1929, o Sacro Colégio, indo felicitar o Santo Padre pela assinatura dos Acordos de Latrão, louvando as suas disposições tão generosas e tão santas, enaltecera também as «disposições da Providência que servindo-se da alta sabedoria do eminente Chefe do Governo italiano e das nobres intenções do Augusto Soberano da Itália», permitiram esses Acordos.
E o Santo Padre, em resposta, confessava que as suas disposições tinham sido bem escolhidas «pelo Augusto Soberano da Itália e pelo seu Primeiro-Ministro».
Então, Mussolini existia; Mussolini era gabado; Mussolini era lisonjeado. Então, Mussolini existia!
No primeiro telegrama expedido do Vaticano, depois de instituído o novo Estado, em 7 de Junho de 1929, dirigido a Victor Manuel, Pio XI não se esquecera de dizer que na bênção que lhe enviava, e à Rainha, à Família Real, à Itália e ao Mundo, envolvia o seu «Real Plenipotenziario».
Então, Mussolini existia...
Agora...
Dir-se-ia que se adoptou como mot d'ordre sagrado, aquilo de Togliati, ao aprovar que se inserissem na Constituição da Itália os Acordos de Latrão, quando preconizava a substituição da «assinatura infamante do Fascismo que está no final daqueles Acordos, pela assinatura da República italiana».
Dir-se-ia que se pretende obedecer a esse mot d'ordre sinistro, – talvez por valer mais Togliatti vivo, com os seus energúmenos, demagogos e bandidos, do que Mussolini morto, com a sua grandeza, o seu génio e a sua obra!
Não repugnou ao Osservatore Romano que se pudesse seguir a directriz de Togliatti – e por isso escreveu que a Conciliação de 1929 não fora «obra de um regime político, mas de um governo italiano – reconhecido como os que o precederam».
Os governos que o precederam? Eram, na opinião de Pio XI, «os governos sectários, ou submetidos, ou enfeudados, aos inimigos da Igreja, mesmo quando pessoalmente não eram talvez seus inimigos» (Alocução de 11 de Fevereiro de 1929).
Dar-se-á o caso de que a ingratidão dos Papas seja maior do que a ingratidão dos Reis?
Pensava e dizia Crispi que «o maior homem de Estado da Itália seria aquele que resolvesse a Questão Romana».
Mussolini resolveu-a. E resolveu-a tão bem, que ninguém teve a coragem de tocar na sua solução; antes a enxertaram na Constituição da República.
Mas Togliatti propõe que se apague do instrumento diplomático em que essa solução está exarada, a «assinatura infamante» de Mussolini. E no Vaticano, faz-se-lhe a vontade; e, ao solenizar-se o vigésimo aniversário da resolução do grande dissídio, fala-se em toda a gente, mas condena-se ao mais profundo silêncio o nome de Mussolini.
É sacrilégio.
Estas minhas palavras, sendo de respeitoso protesto contra este silêncio, e de indignada revolta contra a injustiça e a falta de caridade, são também de enternecida homenagem ao grande e esclarecido espírito que, durante vinte anos, governou a Itália – «domando a anarquia; restabelecendo a ordem; fazendo respeitar a Monarquia; restaurando a Religião; desenvolvendo o poder militar, naval e aéreo; estimulando e amplificando a colonização; fomentando todas as actividades do País; transformando pântanos em cidades; descobrindo minas; indo ao encontro de todas as acções pessoais, de todas as obras intelectuais, morais, educativas; cuidando da Juventude», para me servir da síntese de um escritor francês, e, acrescento eu, merecendo o título justo de o maior homem de Estado da Itália, por ter resolvido a Questão Romana.

Alfredo Pimenta in prefácio a «Testamento Político de Mussolini», 1949.

2 comentários:

Gonçalo Godinho disse...

Muito bem!! Afinal Mussolini teve (tem) valor histórico!

Anónimo disse...

a memória dos homens é curta...a perversão da história é apanágio dos vencedores do momento...apagam-se os vencidos e enaltecem-se os triunfadores... a verdade é incómoda e provoca temor aos fracos de espírito...

A. Henriques