Possibilidades ilimitadas


Por princípio somos aquilo que o nosso mundo nos convida a ser, e as partes fundamentais da nossa alma são impressas nela de acordo com o perfil do seu contorno, como se fosse um molde. Naturalmente, viver não é mais do que lidar com o mundo. As características gerais que ele nos apresentar serão as características gerais da nossa vida. Por isso insisto tanto em fazer notar que o mundo onde as massas actuais nasceram mostrava uma fisionomia radicalmente nova na história. Enquanto no passado viver significava para o homem médio encontrar em seu redor dificuldades, perigos, escassez, limitações de destino e dependência, o mundo novo aparece como âmbito de possibilidades praticamente ilimitadas, seguro, onde não se depende de ninguém. Em torno desta impressão primária e permanente vai-se formar cada alma contemporânea, como em torno da oposta se formaram as antigas. Porque esta impressão fundamental converte-se em voz interior que murmura sem cessar algo assim como que palavras no mais profundo da pessoa e lhe insinua tenazmente uma definição da vida que é, simultaneamente, um imperativo. E, se a impressão tradicional dizia: "Viver é sentir-se limitado e, por isso mesmo, ter de contar com o que nos limita", a novíssima voz grita: "Viver é não encontrar limitação alguma; portanto, abandonar-se tranquilamente a si mesmo. Praticamente nada é impossível, nada é perigoso e, em princípio, ninguém é superior a ninguém".

José Ortega y Gasset in «A Rebelião das Massas».

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