Um grupo de pretensos tradicionalistas monárquicos – actuando sobretudo na rede social facebook – tem vindo a divulgar uma inovação doutrinária, na qual o Rei estaria sujeito à vigilância das Côrtes. Mas tal doutrina não tem qualquer paralelo na nossa Tradição. Em Portugal, de D. Afonso Henriques a D. Miguel, sempre as Côrtes tiveram um papel meramente consultivo – excepto em raríssimos casos pontuais – e sempre o Rei foi absoluto Soberano pela graça de Deus, nunca pela "graça" das Côrtes.
Aqui deixo mais um contributo que contraria essa inovação doutrinária:
Côrtes. – Definidas pelo Pe. Bluteau, são um Ajuntamento geral dos que têm voto nas matérias concernentes ao bem-comum do Reino, e particular do Rei. O seu compendiador e adicionador Morais, sem contrair o defluxo que lhe podiam trazer facilmente os ares da América Inglesa, juntou a devida explicação de que era voto consultivo, e não decisivo, de maneira que as Cortes foram instituídas para aconselhar e propor, e não para governar e decidir. Assim o provam uma infinidade de documentos históricos, desde as primeiras Cortes em Lamego, no século XII, até às últimas em Lisboa, no século XVII. (...) Eu tenho lido as cópias fiéis de muitas em diferentes reinados, e agora mesmo eu tenho sobre a mesa onde escrevo, os transuntos das celebradas pelos Senhores D. Afonso IV e D. Pedro I, e examinando o que se passou nelas desde o princípio até ao fim, nenhuns visos encontro de outra soberania, que não seja a d'El-Rei. Queixam-se os povos de Lisboa, do Porto, de Évora, e de outras Cidades, ou Vilas notáveis, e El-Rei defere como lhe parece melhor, e tudo se acaba na paz do Senhor, sem gritarias, nem usurpações da autoridade real. (...) Tenho observado que os Mações trazem muito na boca as primeiras Cortes, e as primeiras do reinado do Senhor D. João IV. (...) Ora pois vamos por partes – Que era o Senhor D. Afonso Henriques antes da batalha do Campo de Ourique? Um Príncipe Soberano, e absoluto do que então se chamou o Condado de Portugal; e um cento de monumentos daquelas eras, assim o mostram clarissimamente... Ora pois o Exército aclamando-o Rei, não lhe deu a Soberania, que já era de seu Pai, e lhe foi transmitida por herança. Logo o Exército nem se quer sonhou, que lhe tirava as suas prerrogativas, antes lhas engrandeceria se necessário fosse... Porém os grandes, os Prelados, e os Representantes da nação, parecem coartar-lhe os seus poderes com aquele – Queremos, ou não queremos – Ah pobre gente Maçónica, que pelo que eu vejo tens de andar sempre às escuras! Quem chamou estas Cortes foi El-Rei, quem as presidio foi El-Rei, e tudo quanto nelas se tratou de mais importante, foi em pró de El-Rei. Tratou ele de segurar a Coroa nos seus descendentes, de impedir que ela passasse nunca a um Príncipe Estrangeiro; e de obstar aos desejos ambiciosos de algum Príncipe natural destes reinos, onde facilmente se podia renovar as cenas lastimosas, em que fora envolvido um D. Garcia, Rei de Portugal, e fez adoptar por aquele Congresso todas as medidas que ele traçara de antemão, e que ora fazia executar na Cidade de Lamego.
D. Frei Fortunato de São Boaventura in «O Mastigoforo», 1824.
Fica assim novamente demonstrado que a doutrina defendida por tais monárquicos não tem qualquer razão de ser na tradição monárquica portuguesa, e lembra, em certa medida, a heresia conciliarista que afirma que um Concílio Ecuménico é superior ao Papa.
3 comentários:
MONARQUIA TRADICIONAL PORTUGUESA (CATÓLICA E ABSOLUTA)
Alguns princípios fundamentais:
- A Soberania reside no Rei.
- As Cortes têm um papel consultivo.
- As Cortes só assumem papel deliberativo em casos excepcionais, como por exemplo nas crises de Sucessão ao Trono.
- As Cortes não dão legitimidade ao Rei, as Cortes apenas reconhecem a legitimidade do Soberano.
- O Rei é aclamado em Cortes, ou seja, nas Cortes é reconhecida a sua legitimidade como Soberano.
- A legitimidade do Rei vem da sua Hereditariedade, não vem da vontade das Cortes.
- Nos casos de problemas com a Sucessão ao Trono, a legitimidade não deixa de estar na Hereditariedade. Jamais as Cortes podem aclamar (reconhecer) alguém que não seja Herdeiro.
- O Rei não está sujeito à vontade e à vigilância das Cortes.
- O Rei é livre de convocar e dissolver as Cortes.
- O Rei é Rei pela vontade de Deus, não pela vontade do Povo.
- O Povo é representado em Cortes como Terceiro Estado, e de todos os Estados, é aquele que menor peso político tem.
Em defesa desta posição tradicional portuguesa, acompanham-me vultos como o Pe. José Agostinho de Macedo, Fr. Fortunato de S. Boaventura, José Acúrsio das Neves, Marquês de Penalva, Faustino José da Madre de Deus, ou José da Gama e Castro.
Belas ideias. Recordo os legitimistas anarco-comunalistas que me ensinaram a pensar.
Obrigado pelo comentário. Mas anarco-comunalismo? Essas sínteses semânticas/doutrinárias são perfeitamente dispensáveis. Basta o pensamento católico para conseguirmos discernir as Leis pelas quais era regida a Monarquia Tradicional Portuguesa (Católica e Absoluta).
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