Da Verdade


1. Noção. – Comumente atribuímos o predicado de "verdadeiro" às coisas, aos conhecimentos e às palavras; e dizemos que uma coisa é verdadeira, quando possui a sua própria natureza: ouro verdadeiro é aquele que tem realmente a essência do ouro; um conhecimento é verdadeiro, quando representa o objecto como realmente é, quando diz do objecto o que ele é, e não o que ele não é; as palavras são verdadeiras, quando manifestam o que realmente pensamos.

2. A verdade das coisas, chamada verdade ontológica, depende da conformidade das coisas com a Inteligência divina que as concebeu e criou.
A verdade do conhecimento, chamada verdade lógica ou formal, depende da conformidade da nossa inteligência com as coisas. De facto, todo o nosso esforço ao procurar conhecer uma coisa consiste em nos "adequar " à coisa, à realidade. Quando, por ex., olhando pela janela, não distinguimos se chove ou não, abstemo-nos de julgar. Quando porém nos certificamos de ter atingido a realidade, afirmamos ou negamos; e se vemos que está a chover, a impossibilidade de negá-lo não é uma impossibilidade puramente subjectiva de pensar o contrário, mas uma impossibilidade imposta pela realidade e independente de nós, pois não é a nossa inteligência que faz com que as coisas (naturais, não-artificiais) sejam, e sejam o que são. Donde para conhecer uma coisa e falar dela com verdade é necessário que a nossa inteligência se conforme com aquilo que a coisa é. – E isso vale também para as afirmações de ordem universal, como: o homem é animal racional, o todo é maior do que uma de suas partes.
Mesmo quando erramos, o esforço feito foi de nos adequar à realidade, e a nossa afirmação provém ainda da persuasão (precipitada no caso, como veremos) de nos estar conformando com o que é.
Reconhecer que o nosso esforço no conhecer é para saber e dizer o que é, e não o que não é, é reconhecer que as nossas faculdades cognoscitivas são feitas para conhecer o que é, a realidade; que a natureza delas é de tender para a realidade: a verdade; que são aptas para atingir a realidade, a verdade. Senão, não se poderia dizer de quem afirma, por ex., 2 + 2 = 5, que usa mal das suas faculdades.
A verdade das palavras consiste na conformidade das palavras com o que a inteligência pensa e julga.

3. Estas três espécies de verdades supõem sempre como elemento comum uma conformidade, uma adequação entre estes dois termos: inteligência e realidade. Donde a definição da verdade: "adaequatio intellectus et rei".
Quem se conforma dá o nome à verdade:
Conformidade da realidade da coisa com a Inteligência divina = verdade da coisa. É verdade essencial (provém da sua essência) transcendental (compete a todas as coisas, porque todas têm entidade e precisamente aquela que Deus pensou e quis, pois nunca Deus se engana no realizar das suas ideias). – Todas as coisas, enquanto – pelo facto de terem alguma entidade – são aptas para serem conhecidas pela inteligência humana cujo objecto é o ser, possuem também uma verdade transcendental acidental: é a inteligibilidade da realidade;
Conformidade da inteligência humana com a realidade, com as coisas = verdade da inteligência, isto é, verdade do conhecimento, verdade lógica e formal;
Conformidade das palavras com o conhecimento da inteligência = verdade das palavras, chamada veracidade, que se opõe à mentira e de que trata a Ética.

Pe. Pedro Cerruti in «A Caminho da Verdade Suprema», 1956.

Sem comentários: