Estrabão sobre a Lusitânia (2ª Parte)



Os últimos são os Ártabros [tribo do norte galego] e habitam junto do cabo ao qual chamam Nério [actual Cabo Touriñán], que constitui o extremo dos flancos ocidental e setentrional da Ibéria (nos seus arredores habitam Célticos, aparentados com os das margens do Anas [Rio Guadiana]. Conta-se que quando estes e os Túrdulos conduziram até ali uma expedição militar, se revoltaram depois da travessia do Rio Lima, e que após a revolta, como acontecera a perda do seu chefe, se fixaram dispersos nessa região; e que também por isso o Rio Lima se denominaria Letes). Os Ártabros têm numerosas cidades concentradas no golfo que os navegantes que frequentam estes lugares designam como Porto dos Ártabros. Os contemporâneos chamam Arotrebas aos Ártabros.

Deste modo, pois, cerca de umas trinta tribos ocupam o território entre o Tejo e os Ártabros. Apesar de a região ser próspera em frutos, gado e abundância de ouro, prata e metais semelhantes, a maior parte deles, contudo, abandonou a exploração da terra: passavam o tempo em piratarias e em guerras contínuas, quer entre si, quer (atravessando o Tejo), contra os seus vizinhos, até que os Romanos os impediram, humilhando-os e reduzindo a maior parte das suas cidades e aldeias, e associando também colonos a algumas delas, para melhor resultado. Deram início a esta anarquia os habitantes das montanhas, como é natural, pois como ocupavam uma terra pobre e possuíam territórios reduzidos, cobiçavam o alheio. E os outros, ao defenderem-se deles, tornaram-se necessariamente impotentes em relação às actividades próprias, de modo que também eles guerreavam em vez de cultivarem as terras. E sobreveio que o território, descuidado, como estava estéril dos seus recursos naturais, era habitado por bandidos.

Diz-se que os Lusitanos são dados a emboscadas, à espionagem, que são vivos, ligeiros, bons em manobras. Têm um escudo pequeno de dois pés de diâmetro, côncavo na frente, preso ao corpo por correias, pois não tem manilhas nem outro tipo de pegas. Têm também um punhal ou um cutelo. A maior parte usa couraças de linho; alguns, porém, usam-nas de malha e elmos de três penachos, mas os restantes, elmos feitos de tendões. E os de infantaria têm também cnémides e vários dardos cada um; uns quantos usam ainda uma lança (as pontas são de bronze). Diz-se que alguns dos que habitam junto ao Rio Douro vivem à maneira lacónica [espartana], utilizando lugares específicos para se ungirem duas vezes por dia, tomando banhos de vapor produzido por pedras aquecidas, banhando-se em água fria e fazendo uma única refeição diária, com limpeza e simplicidade. Os Lusitanos são dados a sacrifícios e examinam as entranhas das vítimas sem as extrair; inspeccionam também as veias do flanco e é pelo tacto que se pronunciam. E fazem ainda predições através de entranhas de homens, prisioneiros de guerra, que cobrem com saios; em seguida, quando a vítima é golpeada pelo arúspice nas entranhas, adivinham em primeiro lugar a partir do seu modo de cair (depois, cortando as mãos dos prisioneiros, consagram as direitas como oferenda aos deuses).

Todos os habitantes das montanhas são frugais, bebem água, dormem no chão, deixam o cabelo cair pelas costas abaixo, à maneira das mulheres, mas combatem cingindo as frontes com uma fita. Comem sobretudo carne de bode e é um bode que sacrificam a Ares, e também cativos de guerra e cavalos; e fazem ainda hecatombes de cada espécie, à maneira grega (como diz Píndaro: «de tudo se sacrifica à centena»). Realizam igualmente competições gímnicas, quer para hoplitas, quer para cavaleiros (com pugilato, corrida, escaramuça e combate por grupos). Os habitantes das montanhas, durante duas partes do ano, utilizam bolotas, depois de as terem secado e triturado; logo as moem e as transformam em pão, de modo que se conservem por algum tempo. E utilizam também cerveja, mas têm falta de vinho: o que arranjam, todavia, depressa o consomem, banqueteando-se com os parentes. Em vez de azeite, usam manteiga. Tomam a refeição sentados, em bancos construídos em torno das paredes, e acomodam-se de acordo com a idade e a honra (a refeição circula) e, enquanto bebem, dançam em círculo ao som da flauta e da trombeta, mas também saltam e põem-se de cócoras. Na Bastetânia [Andaluzia oriental], dançam inclusive as mulheres em conjunto com os homens, de mão dada. Todos eles vestem de negro, a maior parte com saios, e é com eles que se deitam sobre camas de folhagem. Usam pêlo de cabra, como os Celtas. As mulheres, por seu turno, apresentam-se com capas e vestidos floridos. Em vez de moeda, os que estão bem no interior utilizam a troca de produtos ou, cortando uma lasca de prata, dão-na como pagamento. Aos condenados à morte, precipitam-nos de um penhasco, e aos parricidas, lapidam-nos fora dos limites das montanhas ou dos rios. Casam-se do mesmo modo que os Gregos. Aos enfermos, tal como faziam os Egípcios no passado, expõem-nos nos caminhos, para que quem tem experiência da doença dê conselhos. Até ao tempo de Bruto [Cônsul Romano], usavam embarcações de couro para atravessar as enchentes da maré e as zonas pantanosas, mas agora, mesmo as canoas feitas de um só tronco são raras. O sal é púrpura, mas branco depois de moído.

Estrabão in «Geografia», Livro III, século I d.C.

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