A questão da raça lusitana apresenta-se-nos, pois, nestes termos: há uma originalidade colectiva no povo português, em frente dos demais povos da Península? Cremos que a há, circunscrita porém a traços secundários. Cremos que as diversas populações da Espanha, individualizadas sim, formam, contudo, no seu conjunto, um corpo etnológico dotado de caracteres gerais comuns a todas. A unidade da história peninsular, apesar do dualismo político dos tempos modernos, é a prova mais patente desta opinião. Esse dualismo, porém, leva-nos também a crer que, entre as diversas tribos ibéricas a lusitana era, se não a mais, uma das mais individualmente caracterizadas. Não esquecemos decerto a influência posterior dos sucessos da história particular portuguesa; mas eles, por si só, não bastam para explicar o feitio diverso com que coisas idênticas se representam ao nosso espírito nacional. Há no génio português o que quer que é de vago e fugitivo, que contrasta com a terminante afirmativa do castelhano; há no heroísmo lusitano uma nobreza que difere da fúria dos nossos vizinhos; há nas nossas letras e no nosso pensamento uma nota profunda ou sentimental, irónica ou meiga, que em vão se buscaria na história da civilização castelhana, violenta sem profundidade, apaixonada mas sem entranhas, capaz de invectivas mas alheia a toda a ironia, amante sem meiguice, magnânima sem caridade, mais que humana muitas vezes, outras abaixo da craveira do homem, a entestar com as feras. Trágica e ardente sempre, a história espanhola difere da portuguesa, que é mais propriamente épica: e as diferenças da história traduzem as dissemelhanças do carácter.
Oliveira Martins in «História de Portugal».
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