Tomando por base Rousseau e aceitando que o homem é intrinsecamente bom e perfeito, como requer a falácia humanista e expôs metafisicamente o filósofo de Genebra, os pais do marxismo desenvolveram a temática que se viria também a tornar o fundamento filosófico da Era Moderna. No «Discurso Sobre a Desigualdade» Rousseau tinha escrito: o homem é naturalmente bom. Qualquer traço de violência no seu íntimo é produzido pelas instituições sociais. A propriedade privada e o Estado são as duas instituições predominantes de invenção e autoria humanas. A primeira, produz a desigualdade e requer a segunda para a manter. A propriedade privada e o Estado combinam-se para produzir a ruína do homem. Glosando este tema Proudhon haveria de escrever: «a propriedade privada é o roubo» e Owen, Fourier, Marx, Engels e outros utópicos, aplicar-se-iam a determinar cientificamente a validade destes raciocínios.
Marx chegou inevitavelmente ao diagnóstico e à receita: aceitando que a natureza humana é pacífica e boa, adiantou que o ambiente social é que é responsável pela violência e o vício. A natureza da sociedade humana é determinada pela posse da terra e dos meios de produção. Portanto, a natureza do homem é determinada pela posse do capital. Enquanto a propriedade for privada, a humanidade permanecerá dividida entre explorados e exploradores, e os Estados existirão para proteger os exploradores. Toda a História, por conseguinte, deve ser interpretada em termos de luta de classes, todo o conflito em termos de esforços da classe exploradora para manter as suas vantagens. Porém, se os explorados conseguirem chegar ao controlo do Estado, a propriedade privada será extinta e terminará a luta de classes. A guerra, a miséria e o vício, a violência e a necessidade do Estado acabarão, porque nesse momento o homem será naturalmente pacífico e bom. É claro que nos países onde esta lógica foi levada até às suas últimas consequências pode constatar-se a ironia final: quando um homem confia na bondade de outro, nunca perde mais do que a vida.
António Marques Bessa in «Ensaio sobre o fim da nossa Idade», 1978.
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