Para trás não se volta?


Bem os ouvimos, tonitruantes ou em voz blandiciosa. Bem os ouvimos, mas não os queremos escutar, recusamo-nos a atendê-los e a ceder.
Eles argumentam com a mudança dos tempos, com o realismo de situações diferentes, com outras mentalidades e necessidades. Os estádios novos não se compadecem, pois, com o Estado Novo...
O mundo já não é o mesmo, dizem eles, o nosso País já não é o mesmo. As pessoas têm outro crer e outro querer. Os costumes, os comportamentos, as modas, o estilo, o ambiente alteraram-se. Há que acertar o passo, há que nos adaptarmos, há que abandonar o que a gente de hoje nega, o que os donos do mundo e da inteligência e do sentimento condenam, o que o dilúvio do pós-guerra submergiu. Uma outra era nasceu, desde o material ao espírito, desde a técnica às consciências, desde a religião à política.
E, então, vá de resistir pelo figurino reinante. Para não ficar para trás, para não ser acusado de passadista e reaccionário, para não sofrer as acusações e as condenações dos que enchem a praça e dominam os areópagos internacionais, agora. Para ser bem visto... A Verdade? O Bem? A Justiça? A Fidelidade? Ora, ora! Temos de ser realistas... E, assim, a Ideia fica atirada às urtigas.
Eles, os práticos e realistas, os que enterram o passado a mil metros do chão incorrupto, despem a alma com a mesma facilidade com que tiram os sapatos, enchendo o ar com a pestilência dos pés e da sua vidinha. Eles namoram a opinião pública e trapaceiam-na, babujam os tornozelos do povo e sujam-no, idolatram o Homem e demitem-no e envenenam-no. Eles não têm fé, nunca tiveram fé, limitaram-se, a todas as horas e sempre, a papaguear as palavras e as ideias que estavam ou estão na moda, vanguardistas da cauda, epígonos-saguís. Debitam palavras e ideias que convenham ao adaptacionismo nojento, as boas como as más, as verdadeiras como as falsas; com os mesmos gestos e tons entusiásticos ou graves, ardorosos ou sensatos. Os espertalhões. Os palhaços.
«Para trás não se volta», argumentam, «o passado está passado». E, portanto, vá de traírem-se a si mesmos, vá de negarem-se, caso eles tivessem, autenticamente, sido alguma vez o que proclamaram. Mas as suas ideias e palavras justas, certas, proferidas algum dia, testemunham contra eles, hoje.
Desculpam-se: reflectiram, observaram o mundo, as coisas, as gentes, os acontecimentos, receberam uma experiência longa, e concluíram que estavam enganados... Mentira! Querem, simplesmente, estar à la page, acertar o passo pelo desconcerto presente, obter a aprovação do que está. Ondeiam como répteis e querem um lugar na nova Babilónia dissoluta.
«Para trás não se volta»? Sofismadores cobardes! Sim, volta-se. Volta-se quando foram abandonadas as virtudes antigas, quando o caminho certo se perdeu. O filho pródigo voltou. Restaura-se o que foi injustamente banido. A independência recobra-se, muita vez. O catolicismo tornou a regiões que a heresia ou falsas religiões tinham submergido. As terras da península hispânica voltaram à cristandade, após o longo domínio muçulmano. Santo Agostinho, que perdera a fé, readquiriu-a com fervor acrescentado. Até a maldita Democracia banida regressou, impante e ditatorial, após a última Grande Guerra. Para esta gente, cortesã da modernidade, Penélope não devia esperar por Ulisses, a pureza expulsa não deve retomar-se, quem assiste à idolatria não deve esperar e lutar pela reconversão à lei de Deus.
Os modernaços! Trinam a Democracia e o Liberalismo, negam os Mestres e a Ideia antiga, renegam o baptismo que receberam. Ou pretendem conspurcá-los em conúbios monstruosos. Falsários e mendazes, calcam, com a botarra ou a pantufa, os símbolos, os signos e os ideais que, noutro tempo, veneraram e ergueram como bandeira luminosa.
Velharias... Mas a Democracia e o Liberalismo não são velhos? Não estiveram expulsos e desacreditados já? O Comunismo e o Anarquismo são mais recentes do que a Nova Ideia que deu asas aos estados e aos povos no segundo quartel do século XX? O Estado Novo é caquético e a Democracia uma adolescente brunida e o Liberalismo uma primavera em flor?
«Para trás não se volta», murmuram-nos, gritam-nos eles, insistentes e arrotando sabedoria. Tecnocratas ou ideólogos da adaptação democratóide e liberalóide, sabotadores do Regime em construção, trânsfugas da Verdade e da Fé, habilidosos saloios, querem destruir-nos o fundamento e abandalhar a alma. Dizemos-lhes que não.
Corajosamente, firmemente, implantados no passado que, tradicionalmente, continua presente para mais altas subidas e mais vastas expansões, mantemos a nossa lealdade, no centro do coração e nas circunvoluções da inteligência e na lâmina fulgurante da vontade. Nesta data do 28 de Maio, proclamamos aos quatro cantos da Pátria, a todos os ventos do globo, que o Passado não morreu!

Goulart Nogueira in «Política», nº 33, 15 de Maio de 1971.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não está relacionado ao excerto, mas é importante divulgar.

Louvado seja Deus por esses jovens verdadeiramente Católicos. Os novos Macabeus! É assim que os Santos(as) fizeram! “

https://www.youtube.com/watch?v=SQGY9-JIuXw