O Pai Nosso é a oração que o próprio Cristo nos ensinou. A sua formulação "a qual aprendemos desde pequenos" está avalizada pela tradição da Igreja, e o seu uso perde-se nos séculos e gerações. Talvez nada se deve considerar mais intangível.
Apesar disso, a Igreja do aggiornamento, que alterou substancialmente o rito da Missa, não podia deixar de pôr a sua marca na nossa oração mas íntima e entranhada, nas palavras do mesmo Cristo. Já temos um Pai Nosso conciliar e aggiornato...
Trata-se, ao que parece, de um texto novo, idealizado sob o desígnio da mudança pela mudança, e sabe Deus se com outros desígnios. Vamos ao próprio conteúdo do novo texto.
Substituiu-se nele a petição do perdão de "nossas dívidas" pelo de "nossas ofensas". Mas, dívida e ofensa são o mesmo?
Posso ter dívidas com outro (de gratidão, de apoio, de caridade) e não lhe ter ofendido nunca. Inversamente, alguém pode ser nosso devedor e não nos ter ofendido jamais. O que ofende (causa dano, injuria) contrai, certamente, uma dívida com o ofendido (a de repará-lo), mas nem toda a dívida contém ofensa. A oração do Pai Nosso é de uma tal perfeição, sendo de origem divina, que não se pode alterar uma letra sem prejudicá-la.
Facilmente se compreende o objectivo progressista, se se considera que com a nova formulação, a Virgem Maria não teria podido rezar a oração que o seu Divino Filho ensinou aos homens. Porque a Virgem tinha, certamente, grandes dívidas para com Deus (tê-La criado, tê-La escolhido entre todas as mulheres, tê-La preservado do pecado original, etc), mas jamais cometeu ofensa alguma contra Deus.
Ensinemos, pois, a nossos filhos a oração que aprendemos de nossa mãe, e que Ele mesmo nos ensinou.
Rafael Gambra Ciudad in revista «Roca Viva», Janeiro de 1994.
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Nota: Recebi a confirmação de que a oração do Pai-Nosso foi modificada em 1941, no papado de Pio XII. Mas não é de admirar que estas alterações sejam anteriores ao Concílio Vaticano II, pois o veneno liberal-modernista foi sendo introduzido em pequenas doses antes da década de 1960. Relembro, por exemplo, o que disse Mons. Lefebvre a propósito do Episcopado Francês: «1926 marca na França uma etapa decisiva na "ocupação" da Igreja pela facção católico-liberal».
7 comentários:
Essa história de perdoar "a quem nos tem ofendido" é um dos meus grandes problemas com o Cristianismo.
Quando recitava o Pai Nosso, em miúdo, sentia sempre um nó no estômago quando chegava à parte do "assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Porquê? Porque eu sabia que não era verdade! Eu não perdoava a quem me tinha ofendido, a menos que essa pessoa se tivesse mostrado realmente arrependida.
O perdão só deve ser concedido a quem o merece. Não consigo adorar um Pai que quer que eu fique em paz com alguém que, nitidamente, voltaria a fazer o mesmo nas mesmas circunstâncias.
O perdão de Deus será concedido apenas ao pecador arrependido. Porém, nós devemos estar sempre prontos a perdoar, mesmo os nossos próprios inimigos. Pois se não estivermos dispostos a perdoar, como poderemos esperar o perdão de Deus? Pela forma como medirmos, também seremos medidos.
A oração do "Pai Nosso" foi alterada ainda antes do Concílio Vaticano II. Aliás, Alfredo Pimenta, falecido em 1950 e juntamente com João Ameal um dos poucos autênticos católicos integrais portugueses, dedicou exactamente um opúsculo a esta temática.
Phoda-se, que tenho mesmo de encontrar a Conferência Episcopal de 1940 que reviu a tradução de algumas orações em Portugal (e Ultramar). Nunca tinha visto esta discussão em Portugal até que alguns tolinhos se puseram a importar do Brasil brigas que aqui não existiam, não existem, salvo na mente ociosa de alguns
Em Portugal e Ultramar, em 1940, foram revistas algumas orações para melhor compreensão popular, considerando que línguas vivas tendem a sofrer alterações no significado das palavras. Descobri que no Brasil "se mata e morre" por estas questões, e a ignorância (burrice, mesmo) de tantos, importou para Portugal.
Assim:
"Padre Nosso" (...) "perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores" FICOU- "Pai Nosso" (...) "perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tenha ofendido" e que, considerando o texto Bíblico, e centenárias traduções do "Pai Nosso", em nada atenta contra o sentido da prece.
Outra oração que mudou em 1940, mas tantos ignoram, preferindo a alteração, ao original é: "Oh meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno; e levai as ALMINHAS (não é almas, é ALMINHAS, ou seja, do Purgatório) todas para o Céu, especialmente as que mais precisarem" que, desde 1940, em Portugal e Ultramar, ficou: "oh meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, e aliviai as almas do Purgatório, socorrei, principalmente, as mais abandonadas".
Ao fim, e ao cabo, discutem-se tolices, e pouco se compreende o que se discute. Mas se tais tolices são militância em Terras de Vera Cruz, felizmente, em Terras de Santa Maria, os Bispos resolveram isto em 1940. Só jovens burrinhos perdem tempo com isto em Portugal, porque não estudam e preferem briga a conhecimento.
Agradeço a intervenção anónima nesta publicação de 2015, embora os maus modos contribuam pouco para a caridade cristã e para um debate honesto. A sua indignação parece nascer mais de um incómodo com o assunto, do que de um real confronto com os argumentos apresentados. Lamenta-se que, perante um assunto de tão grande importância moral, espiritual e teológica – a fidelidade à oração que o próprio Cristo nos ensinou – se recorra ao insulto e às falácias 'ad hominem', em vez da razão iluminada pela Fé.
Mas vamos ao essencial.
"Dívidas" ou "ofensas"? Ora estas palavras não são sinónimas, nem do ponto de vista etimológico, nem teológico. A fórmula latina oficial e tradicional do Pai-Nosso, comum a toda a Igreja, diz claramente: "et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostris".
O termo "debita" tem um significado preciso na teologia moral e dogmática da Igreja: trata-se de uma linguagem profundamente estruturada no pensamento de S. Tomás de Aquino e outros Doutores da Igreja. A "dívida" é o que se deve a Deus por justiça (adoração, agradecimento, perdão, etc.), não se reduzindo ou confundindo com mera "ofensa" sentimental ou moral. Como já se demonstrou anteriormente, nem toda a dívida implica ofensa, mas toda a ofensa é dívida – o que só confirma a insuficiência da tradução moderna. Reduzir "debita" a "ofensa" é diminuir, empobrecer e adulterar a oração ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Até 1941 a tradução vernácula diz «perdoai-nos as nossas dívidas». A nova versão reformulada nesse ano introduziu a inovação «ofensas», mas sem sequer justificar teologicamente a razão da alteração. Terá sido por razões de "compreensão popular"? Tal motivo levanta um problema muito grave: É então a Fé e a Doutrina que se devem adaptar à ignorância dos homens? Ou será antes nossa obrigação elevarmo-nos à altura do que é eterno, sagrado e verdadeiro? Substituir a elevação do homem à Doutrina, pelo rebaixamento da Doutrina ao homem, revela a mesma lógica modernista "adaptativa" que está na origem de tantos erros doutrinais, litúrgicos e pastorais.
Como ensina o Magistério de sempre, o latim é a língua oficial e sagrada da Igreja, nomeadamente porque é estável, não sujeita a oscilações semânticas ou manipulações ideológicas. O vernáculo é falível, mutável, e, como bem se vê neste caso, passível de gerar confusão doutrinal. Se a fórmula universal oficial diz "debita", toda a tradução deve manter esse sentido teológico. Onde ele se perde, há erro ou pelo menos grave omissão.
Rezar "dívidas" não é teimosia, nem nostalgia: é fidelidade à oração ensinada por Nosso Senhor e à Sagrada Tradição milenar da Igreja. Quem se indigna com isso talvez devesse reflectir se está mais apegado ao espírito da época do que ao Espírito da Verdade. Pois tal não se trata de uma "importação brasileira" ou "espanhola", como também já ouvi – é, pelo contrário, uma questão importantíssima teológica e moral. O que está em causa são as palavras do próprio Cristo na oração maior da nossa Fé, não um qualquer gosto pessoal ou preferência estética. Já em 1941 o historiador português, Alfredo Pimenta, publicou um opúsculo em defesa de "dívidas" e oposição a "ofensas" – isto foi muito antes de qualquer suposta "briga" e "tolice" do Brasil ser conhecida entre nós. Não consta que até hoje o opúsculo de Alfredo Pimenta tivesse sido refutado.
(continua...)
(continuação...)
Recordemos S. Leonardo de Porto-Maurício e S. Tomás de Aquino: a alma humana tem para com Deus quatro dívidas essenciais – adoração, reparação, gratidão e petição. Esta doutrina está ausente na formulação "ofensas" e o resultado é bem visível: gerações de católicos que reza sem compreender correctamente a oração, e que pensa que Deus se limita a perdoar sentimentos feridos, em vez das quatros dívidas essenciais.
Quanto à oração de Fátima, também aqui se vê a mesma tendência de alterar orações em nome de uma pretensa "melhor compreensão". No entanto, foi em sentido oposto ao que afirmou o anónimo. A jaculatória ensinada por Nossa Senhora aos pastorinhos – «Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem» – foi, sem explicação teológica válida, modificada mais tarde para «aliviai as almas do Purgatório». O Padre Formigão confessou, em 1955, ter reformulado a oração original que ouviu da Irmã Lúcia. Ora, as palavras «levai as alminhas todas para o Céu» não são meramente decorativas: exprimem com clareza a intenção salvífica e escatológica da oração, tal como revelada por Nossa Senhora em Fátima.
A substituição de "dívidas" por "ofensas", como outras alterações semelhantes no século XX, faz parte de uma tendência de reinterpretação sentimental e subjectiva da Fé, em prejuízo da sua objectividade, profundidade, coerência e sobrenaturalidade. Se hoje há católicos que não sabem o que é "dívida", então isso é um problema grave de carência de Doutrina Católica.
Recomendo, pois, com caridade mas firmeza, que se aprofunde este assunto com espírito católico e reverência pelas coisas santas. E que se reflicta bem antes de insultar aqueles que apenas desejam rezar como o próprio Deus nos ensinou.
Rezar bem é um acto de justiça para com Deus. E é justiça pagar o que se deve.
Melhor ainda é rezar o Padre-Nosso em latim.
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