O que é o Liberalismo? Na ordem das ideias é um conjunto de ideias falsas; na ordem dos factos é um conjunto de factos criminosos, consequência prática daquelas ideias.
Na ordem das ideias o Liberalismo é o conjunto do que chamam princípios liberais com as consequências lógicas que deles se derivam. Princípios liberais são: a absoluta soberania do indivíduo com inteira independência de Deus e da sua autoridade; soberania da sociedade com absoluta independência do que não provenha dela mesma; soberania nacional, isto é, o direito do povo para legislar e governar-se com absoluta independência de todo o critério que não seja o da sua própria vontade expressa primeiro pelo sufrágio e depois pela maioria parlamentar; liberdade de pensamento sem limitação alguma em política, em moral ou em religião; liberdade de imprensa, igualmente absoluta ou insuficientemente limitada; liberdade de associação com igual latitude. Estes são os chamados princípios liberais no seu mais cru radicalismo.
O fundo comum de todos eles é o racionalismo individual, ou
racionalismo político, e o racionalismo social. Derivam-se deles a liberdade de
cultos mais ou menos limitada; a supremacia do Estado em suas relações com a
Igreja; o ensino laico ou independente sem nenhum laço com a religião; o
matrimónio legalizado e sancionado pela intervenção exclusiva do Estado; a sua
última palavra, a que abarca tudo e tudo sintetiza, é a palavra secularização,
quer dizer, a não intervenção da religião em nenhum acto de vida pública,
verdadeiro ateísmo social, que é a última consequência do Liberalismo.
Na ordem dos factos o Liberalismo é um conjunto de obras inspiradas por aqueles princípios e reguladas por eles. Como, por exemplo, as leis de desamortização, a expulsão das ordens religiosas; os atentados de todo o género oficiais e extra-oficiais, contra a liberdade da Igreja; a corrupção e o erro publicamente autorizado na tribuna, na imprensa, nas diversões, nos costumes; a guerra sistemática ao catolicismo, que apodam com os nomes de clericalismo, teocracia, ultramontanismo, etc.
É impossível enumerar e classificar os factos que constituem o proceder prático liberal, pois compreendem desde o ministro e o diplomata, que legislam ou intrigam, até ao demagogo, que perora no clube ou assassina na rua; desde o tratado internacional ou a guerra iníqua que usurpa ao Papa e o seu principado temporal, até a mão cobiçosa que rouba o dote da religiosa, ou se apodera da lâmpada do altar; desde o livro profundo e sabichão que se dá como texto na Universidade ou no instituto, até à vil caricatura que regozija os frequentadores de taberna. O Liberalismo prático é um mundo completo de máximas, modas, artes, literatura, diplomacia, leis, maquinações e atropelamentos completamente seus. É o mundo de Lúcifer, hoje disfarçado com aquele nome, e em radical oposição e luta com a sociedade dos filhos de Deus, que é a Igreja de Jesus Cristo.
Eis aqui, pois, retratado, como doutrina e como prática, o Liberalismo.
D. Félix Sardá y Salvani in «O Liberalismo é pecado», 1884.
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