A criação de uma Federação Europeia constitui uma das
ideias dominantes da política actual, pelo que os problemas que se levantam à
sua volta e as decisões já tomadas, orientadas nesse mesmo sentido, têm sido
objecto de atenta consideração por parte do Governo Português.
Por se tratar de uma questão que continua a manter a
maior actualidade, convém marcar a nossa posição em face de tal política.
(...)
A Europa nasceu de certo modo e o processo da sua
formação imprimiu-lhe carácter. A sua diversidade, se por um lado é motivo de
fraquezas, verificou-se por outro ser fonte de radiação universal. Há neste
conjunto nações de tão antiga independência que o arreigado nacionalismo quase
se confunde com o sentimento, com o instinto de propriedade e de uma
propriedade não transmissível (caso português – Constituição, art.° 2.°).
Nestas circunstâncias é duvidoso que se possa constituir
por combinações ou tratados um Estado Europeu.
Ou melhor: podem os governos acordá-lo, mas os povos
dificilmente se ajustarão a ele.
(...)
Não me parece oferecer dúvidas que essa federação, em
cujo seio entrariam de começo três grandes repúblicas e três pequenas
monarquias, se faria ou fará sob a égide republicana. Nem a força representada
pela Alemanha, França e Itália e a dificuldade de escolha duma dinastia
permitiriam outra solução nem os Estados Unidos compreenderiam coisa diferente.
E tem de pôr-se de lado a hipótese da coexistência dos dois regimes. A Bélgica,
a Holanda e o Luxemburgo teriam pois de desfazer-se das suas instituições.
Acontece porém que a monarquia é na Bélgica o factor de integração de
populações nas quais coexistem fortes elementos de diferenciação como a língua,
a religião e até as concepções políticas. Quer dizer que, por imposição dos
acontecimentos, a Bélgica, nem mesmo como província ou Estado secundário da
federação, poderá subsistir, pois a breve trecho se deverá dissolver no
conjunto.
(...)
A federação europeia, como pretende constituir-se,
suscitará mais problemas do que os que resolve, e não contém em si aquele
reforço da defesa que se deseja para um futuro imediato; antes constituirá por
muito tempo uma construção política frágil. Economicamente, pondo-se de lado os
sacrifícios e sofrimentos a impor às gerações actuais, a federação
apresentar-se-á como um grande espaço em que os vários sectores da produção
podem ser mais facilmente racionalizados, e disporá de territórios ultramarinos
que aumentarão a base económica do conjunto. As monarquias serão banidas. Como
elemento mais forte pela extensão do território, população e conjunto das suas
qualidades e espírito industrioso, será a Alemanha quem deverá conduzir
efectivamente a federação para todos os seus destinos. Para isto, talvez não
valesse a pena ter feito a guerra.
(...)
Se posso ser intérprete do sentimento do povo português,
devo afirmar que é tão entranhado o seu amor à independência e aos territórios
ultramarinos, como parte relevante e essencial da sua história, que a ideia de federação,
com prejuízo de uma e de outros, lhe repugna absolutamente. Precisamos aliás
ter presente que o Ultramar lhe tem interessado sempre mais que a Europa
continental: raras vezes Portugal interveio nos seus dissídios e sempre que o
fez foi com prejuízo de outros interesses mais altos. A expansão ultramarina – descobrir,
missionar, fazer nações além-mar, como o Brasil – é o traço mais saliente da
sua história, é decididamente a sua vocação. (...) A nossa feição atlântica
impõe-nos, pois, limites à colaboração europeia, quando esta colaboração
revista formas de destruição daquilo que somos e integração naquilo que não nos
importa ser.
(...)
Nestas circunstâncias, a questão da federação que se
pretende fazer nascer no centro e ocidente da Europa não nos interessa senão na
dupla medida em que pode diminuir a capacidade europeia de defesa e em que,
pretendendo alargar-se para além dos limites primários, nos embarace ou impeça
de seguir o nosso caminho.
António de Oliveira Salazar in «Circular enviada às embaixadas e legações de Portugal», 1953.
2 comentários:
E foi tudo dito e poderemos considerar uma premonição, para mal das nossas vidas. Vamos ver se não iremos engolir mais sapos
1953!...dixit
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