Povo dos Francos, povo de além Alpes, povo – como reluz
em muitas de vossas acções – eleito e amado por Deus, distinguido entre todas as nações pela posição do vosso país, pela observância da fé católica e pela honra que presta à Santa Igreja, a vós se dirige o nosso discurso e a nossa exortação.
Queremos que vós saibais do lúgubre motivo que nos
conduziu até às vossas terras; da necessidade – para vós e para todos os fiéis – de conhecerem o motivo que nos impeliu até aqui.
Desde Jerusalém e desde Constantinopla chegou até nós, mais de uma vez, uma dolorosa notícia: os turcos, povo muito diverso do nosso, povo de facto afastado de Deus, estirpe de coração inconstante e cujo espírito não foi fiel ao Senhor, invadiu as terras daqueles cristãos, as devastou com o ferro, a rapina e o fogo.
Levou parte dos habitantes como prisioneiros até ao seu país, outra parte matou com infames estragos, e as igrejas de Deus, ou as destruiu até aos fundamentos, ou as entregou ao culto da religião deles.
Derrubam os altares após profaná-los imundamente,
circuncidam os cristãos e espalham o sangue da circuncisão sobre os altares ou
jogam-no nas pias baptismais; e àqueles que querem condenar a uma morte
vergonhosa, perfuram o umbigo, arrancam os genitais, os amarram a um pau e,
chicoteando-os, levam-nos pelas ruas, para que com as vísceras de fora, acabem
caindo mortos prostrados por terra.
Outros se servem deles como alvo de flechas após
amarrá-los a um pelourinho; a outros, após obrigá-los a dobrar a cabeça, atacam-nos
com espadas e tentam decapitá-los de um só golpe.
O que dizer da violência nefanda praticada com as
mulheres, sobre a qual é pior falar do que calar?
O reino dos gregos já foi atingido tão gravemente por
eles e tão perturbado na sua vida diária, que não pode ser atravessado sequer
numa viagem de dois meses.
A quem, pois, cabe o ónus de vingá-lo e de reconquistá-lo
se não a vós a quem Deus, mais de que aos outros povos, concedeu a insigne
glória das armas, grandeza de alma, agilidade de corpo, força para humilhar a
fundo aqueles que a vós resistem?
Que a gesta dos vossos antepassados vos mova, que excite as
vossas almas a actos dignos dela, a probidade e a grandeza do vosso rei Carlos
Magno e de Luís, seu filho, e de outros soberanos vossos que destruíram o reino
dos pagãos e até eles estenderam os confins da Igreja.
Sobretudo que vos incite o Santo Sepulcro do Senhor,
nosso Salvador, que está nas mãos de gentes imundas, e os lugares santos, que
agora estão por eles vergonhosamente possuídos e irreverentemente profanados
com a sua imundície.
Ó soldados fortíssimos, filhos de pais invictos, não vos
mostreis decadentes, mas lembrai-vos da coragem dos vossos predecessores; e se
vos segura o doce afecto dos filhos, dos pais e das consortes, atentai para o
que diz o Senhor no Evangelho: "Quem ama o pai ou a mãe mais que a Mim, não é
digno de Mim. Todo aquele que deixar seu pai ou sua mãe, ou a mulher ou os filhos
ou as terras por amor de Meu Nome receberá o cêntuplo nesta terra e terá a vida
eterna".
Não vos detenha o pensamento de alguma propriedade,
nenhuma preocupação pelas coisas domésticas, pois esta terra que vós habitais,
circundada por todo lado pelo mar ou pelas montanhas, ficou estreita para a vossa
multidão, não é exuberante de riquezas e apenas fornece do que viver a quem a
cultiva.
Por isso vós vos ofendeis e vos hostilizais reciprocamente, vós vos fazeis guerra e com frequência vos matais entre vós mesmos.
Cessem, pois os ódios intestinos, apaguem-se os
contenciosos, aplaquem-se as guerras e sossegue toda a discórdia e inimizade.
Empreendei o caminho do Santo Sepulcro, arrancai aquela terra àquele povo celerado e submetei-la a vós: ela foi dada por Deus em propriedade aos filhos de Israel [=cristãos]; como diz a Escritura, nela correm rios de leite e de mel.
Jerusalém é o centro do mundo, terra feraz por cima de
qualquer outra quase como um paraíso de delícias; o Redentor do género humano a
tornou ilustre com a Sua vinda, a honrou com a Sua passagem, a consagrou com a
Sua Paixão, a redimiu com a Sua morte, e a tornou insigne com a Sua sepultura.
Exactamente esta cidade real posta no centro do mundo,
agora é tida em sujeição pelos próprios inimigos e pelos infiéis, feita serva
do rito pagão.
Ela eleva a sua lamentação e deseja ser libertada, e não
cessa de implorar que vós andeis no seu socorro.
De vós mais do que qualquer outro povo ela exige ajuda, pois vos tem sido concedida por Deus, por sobre todas as estirpes, a glória das armas.
Empreendei, pois, este caminho em remissão dos vossos pecados, certos da imarcescível glória do reino dos Céus.
Ó irmãos amadíssimos, hoje em nós manifestou-se o que o
Senhor diz no Evangelho: "Onde dois ou três estarão reunidos em meu nome, Eu
estarei no meio deles".
Se o Senhor Deus não tivesse inspirado os vossos
pensamentos, a vossa voz não teria sido unânime; e ainda que tenha ressoado com
timbres diversos, foi única, entretanto a sua origem: foi Deus que a suscitou,
foi Deus que a inspirou em vossos corações.
Seja, pois, esta vossa voz, o vosso grito de guerra,
posto que ele vem de Deus.
Quando fores ao ataque dos bélicos inimigos, seja este o
grito unânime de todos os soldados de Deus: "Deus o quer! Deus o quer!"
Nós não convidamos a empreender este caminho aos velhos ou àqueles que não são aptos para portar armas, nem às mulheres; que as mulheres não partam sem os seus maridos, ou sem irmãos, ou sem representantes legítimos: todos estes são mais um impedimento do que uma ajuda, mais um peso do que uma vantagem.
Que os ricos sustentem os pobres e levem a seu custo
homens prestes para combater.
Aos sacerdotes e clérigos de qualquer ordem não seja lícito partir sem licença do seu bispo, porque esta viagem lhes seria inútil sem esse assentimento; e nem sequer aos leigos seja permitido partir sem a bênção do seu sacerdote.
Todo aquele que queira cumprir esta santa peregrinação e que faça promessa a Deus e a Ele se tenha consagrado como vítima viva, santa e aceitável, leve sobre o seu peito o sinal da Cruz do Senhor.
Aquele que, após ter cumprido o seu voto, queira
retornar, dê meia-volta.
Cumprirão assim o preceito que o Senhor dá no Evangelho: "Quem não carrega sua cruz e não vem detrás de Mim, não é digno de Mim".
Beato Papa Urbano II, 27 de Novembro de 1095.
4 comentários:
Obrigado FireHead, mas tive que eliminar o seu comentário para não fazer publicidade a esse asqueroso blogue. Sobre as críticas de que fui alvo, só posso dizer que não me tiram o sono. Na verdade, nada de substancial lá é dito, apenas ofensas vulgares, como é usual nesse espaço. Portanto, todo o tempo perdido com ele é demais.
Cumprimentos.
Reaccionário, peço desculpa se o vou maçar, mas atrevo-me a fazer-lhe modestamente um pedido. Sendo sua leitora habitual e admiradora incondicional do que escreve e publica em transcrições geniais, pergunto: que espaço é esse que refere como "asqueroso blogue"? Faço a pergunta porque fico espantada como é que alguém tem a coragem de o ofender através da escrita, quando quem aqui vem ler os seus excelentes e motivadores escritos (assim como as oportunas e estimulantes transcrições que vem reproduzindo) percebe perfeitamente que está perante uma pessoa com uma formação moral superior e de uma extrema delicadeza e educação para com todos os seus leitores. É só.
Desculpe se fui demasiado indiscrecta e parabéns mais uma vez pelo seu blogo.
Maria
Um sermão muito necessário para os dias atuais. Dias em que, tristemente, temos um Francisco politicamente correto, ao contrário daquele de Assis, ou o Xavier.
Enviar um comentário