(continuação da Parte II)
Texto
O primeiro que teve a desgraça de ser Inquisidor Geral foi um irmão de El-Rei, foi o Cardeal Henrique.
Censura e comentário
Mente e comete um erro de palmatória... E são estes os que profundavam as matérias e levavam o recadinho estudado!!! O primeiro Inquisidor-geral foi D. Fr. Diogo da Silva, Bispo de Septa ou Ceuta, o confessor d'El-Rei, como se vê na bula de instituição, que vem na pág. 713 do tomo 2º das Provas da História Genealógica, e só passado bons três anos é que entrou para Inquisidor-geral o Cardeal Infante D. Henrique, por ter passado para Arcebispo de Braga o primeiro Inquisidor-mor, que assim lhe chamavam nesse tempo.
Texto
Era lícito a toda a pessoa, por mais perversa que fosse, ser denunciante ou acusador, e as acusações eram recebidas apesar da incoerência das testemunhas.
Censura e comentário
Já notei que o último Regimento do Tribunal é cheio de circunspecção e cautelas a este propósito, e como tal merece os forçados elogios da própria sabedoria do século. Não tenho à mão a celebérrima narrativa da perseguição, ou o quer que é, do Irmão Hipólito José da Costa, onde se lêem por inteiro os dois últimos Regimentos; só me foi possível examinar o que foi dado pelo Inquisidor-geral D. Pedro de Castilho, o que é tanto melhor para o meu intento, por ser o tachado na própria sessão de Código horrível, Código de sangue, etc. No capítulo 9º fol. 8 v. lemo o seguinte: "Por uma só testemunha se não procederá a prisão ordinariamente, salvo quando parecer aos Inquisidores que é caso para isso, e a testemunha é de crédito, e que fala verdade...". Já no capítulo 3º fol. 8 se tinha advertido que não se procedesse fogosa e precipitadamente; e no capítulo 5º se recomendava o seguinte: "Assim mesmo se olhará muito a qualidade do caso e da pessoa, e os Inquisidores farão diligência sobre o crédito que devem dar às testemunhas, antes que procedam à prisão, como em negócio de tanta importância se quer, e o mesmo farão em todas as mais testemunhas que perguntarem", etc.
Ora este Regimento foi impresso em 1613, e já nesse tempo era fácil destruir as objecções do homem do carro.
Texto
Jazia o preso num espaço menor que aquele onde se põem os mortos. (Aqui entraram de chusma as polés, cavaletes, ferros em brasa, etc., etc., etc.)
Censura e comentário
Já o apanhei onde o queria ver, para o zurzir à minha vontade. As prisões do Santo Ofício eram mais escuras que apertadas, e se havia lá segredos, calabouços e prisões subterrâneas, imitava nessa parte o que ainda não reprovaram os Tribunais civis quando se trata de crimes de traição ou lesa-Majestade humana... prisões mais estreitas que o jazigo dos mortos, ah! que bem cabiam neste rasgo de eloquência Cicerónica essas lágrimas de pura sensibilidade, com que outro ainda mais conspícuo arengador devia molhar daí a poucos minutos o sagrado recinto!!! Eu não tive a curiosidade de ver os cárceres do Santo Ofício de Coimbra, antes me escandalizei muito de que várias pessoas, e nomeadamente alguns Sacerdotes seculares e regulares, acudissem a uma revista ou exame, que era um dos principais triunfos da Pedreirada; mas sei de pessoas que examinaram os cárceres sem prevenção, e que os não viram pelo microscópio da libertinagem e da impiedade, que eles nem ao longe se parecem com o termo de comparação, que lhes assinou o valente orador que vou refutando... No que toca aos horrorosos tratos de polés e cavaletes, etc., etc., serei um pouco mais extenso... A moderação, e quase extinção de tortura, deveu-se em tempos mais antigos à em tudo benfazeja influência do Cristianismo, e o que se tem escrito de melhor neste assunto foi roubado das obras de Santo Agostinhos, sem que até agora tenham confessado a obrigação em que está o Género humano ao eruditíssimo autor dos livros imortais De Civitate Dei. Apesar disto, ficou pertencendo esta glória ao Marquês de Beccaria, apregoado em todos os cantos da Europa, e levado até às nuvens por ter feito acabar esses opróbrios da humanidade... Deu-me agora na vontade referir certas anedotas sobre o livro e o carácter do tal Marquês, para vermos a coerência com que procedem em tudo os Filósofos modernos...
Depois da condenação do réu Calas, que deu tamanho brado na França e na Europa, lembraram-se os Enciclopedistas que era uma boa ocasião de assoalhar alguns princípios que ainda se ensinavam às ocultas, e para este fim escreveram a um Frade Barnabita de Milão, que era Matemático e sócio da irmandade, pedindo-lhe que fizesse disparar a artilharia grossa Italiana sobre o rigor das penas, e sobre a tolerância, que em bom Português quer dizer guerra ao Trono, guerra ao Altar, e que os irmão de Paris teriam cuidado de sustentar o crédito da Obrinha, e fazê-la voar até aos últimos confins da terra... A carta era de Mr. Condorcet (Que herói!!!), e foi lida perante os sócios da Assembleia denominada do Café... id est. Loja – Fortaleza, Loja – Regeneração, ou como outras da mesma farinha. Todos encolheram os ombros, e ninguém aceitava a comissão filosófica, que estava em perigo de falhar, quando um Filósofo medíocre, o Marquês de Beccaria, com grande pasmo do auditório, que o reconhecia por incapaz de tamanha empresa, disse que a aceitava. Compôs o livro dos Delitos e penas, mandou-o à Confraria Parisiense, onde era esperado com ânsia... porém Mr. de Alembert enojou-se tanto de o ler, que o não pôde levar ao fim. Assentou-se que convinha refundi-lo e ataviá-lo à francesa, e foi o Abade Morellet quem se encarregou do novo trabalho, que apenas saiu a lume, foi comentado por Voltaire, premiado extraordinariamente pela Academia de Berne, chamado o Suplemento do Espírito das Leis, e a quinta-essência da Jurisprudência criminal, quando o melhor que ele contém foi apanhado da Utopia de Tomás Moro, e do próprio Montesquieu, que já fizera a mesma colheita nas obras de João Bodin. Disse pois o que basta e sobeja quanto ao livro; pintarei uma palavra no tocante ao Autor. Adoeceu-lhe a Marquesa sua mulher em Turano, nas terras do Conde Calderari, amigo do Marquês, que lhe mandou para a verem o Doutor Moscati, e o Médico D. Félix Mainoni, os quais, ao passarem no vale Marignano, foram investidos e saqueados por três salteadores, cujo capitão se chamava Sartorello... Requereram os tais Doutores ao Marquês uma indemnização desta perda, e conseguintemente o Marquês pôs toda a diligência para serem presos os criminosos, e com efeitos o capitão Sartorello caiu nas mãos da justiça, mas negava tudo a pé junto, e as testemunhas não estavam certas das feições dos salteadores, o que punha os Juízes em grande hesitação, sem atinarem o modo de satisfazerem o Marquês... Foi ele próprio que sugeriu o expediente para os desenredar daquela perplexidade. E qual seria? Nada menos que a tortura!!! O que é tanto mais para estranhar, quanto é certo que na Lombardia só em casos extraordinários a infligiam!! Segue-se pois de duas uma, ou Mr. Beccaria, Professor de direito humano, obrou mal quando impugnava a tortura, ou fez ainda pior quando a inculcou aos Juízes no sobredito caso. Enfim nada é tão ordinário nesta casta de gente, como vermos um Frederico II curando nos seus soldados a mania do suicídio pela assistência às leituras do Evangelho, um Voltaire tirando cartas de excomunhão do Cura da sua freguesia para empecer a destruição das árvores da sua mata de Ferney, e um Dufriche-Valazé (se bem me lembro) votando de morte na causa de Luís XVI, depois de ter defendido nas suas obras que a pena de morte era um atentado contra os direitos do homem, etc., etc., etc. A Inquisição, tornando agora ao ponto essencial, há muito que não usava de polés, nem cavaletes, que só existiam mais para incutirem susto do que para se usarem; e um dos tais Preopinantes, que podia falar com sobejo conhecimento de causa, não duvidou afirmar que a Inquisição se tinha amoldado às opiniões do século, e já não era tão rigorosa como dantes: logo para que era temer sevícias já inteiramente desusadas, para que era aborrecer uma instituição que nas matérias penais caminhava a par das luzes do século? Responda.
(continuação, Parte IV)
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