Os discursos de Paulo VI aos jovens
Todas as razões desta juvenilização do mundo contemporâneo, compartilhada pela Igreja, encontram-se no discurso de Abril de 1971 a um grupo de hippies reunidos em Roma para se manifestar pela paz. O Papa assinala com louvores os valores secretos que procuram os jovens, e enumera-os.
Em primeiro lugar a espontaneidade, que ao Papa não parece estar em contradição com a intenção de pretendê-la, pese ao facto de que se se procura a espontaneidade esta deixa de ser espontânea. Não lhe parece estar em contradição, nem sequer com a moralidade, embora esta, por ser uma intencionalidade consciente, se sobreponha à espontaneidade e possa contradizê-la.
O segundo valor da juventude é a libertação de certos vínculos formais e convencionais. O Papa não diz quais são. Além disso, as formas são a aparência da substância: são a própria substância em manifestação, a sua presença no mundo. E o convencional é o concordado, isto é, o que se acorda, e é bom, se é um acordo sobre coisas boas.
O terceiro é a necessidade de serem eles mesmos. Mas não se esclarece qual é o "Eu" que o jovem deve realizar e no qual deve reconhecer-se: de facto, numa natureza livre existe uma pluralidade de "Eus", modificável em todas as formas possíveis. O "Eu" verdadeiro não exige que o jovem se realize de qualquer maneira, mas que se transforme e se converta em algo além de si mesmo. Além disso, as palavras do Evangelho não admitem interpretação: abneget semetipsum (renuncie-se a si mesmo) (Lucas 9, 23). O próprio Papa no dia anterior havia exortado à metanóia. Em que ficamos, então? Realizar-se ou transformar-se?
O quarto é o impulso a viver e interpretar a sua própria época. No entanto, o Papa não dá aos jovens a chave para interpretar o seu tempo; nem assinala que, segundo a religião, na brevidade do seu próprio tempo o homem não deve procurar o efémero, mas o fim último que permanece através de todo o efémero.
Tendo desenvolvido o discurso sem nenhuma explicação religiosa, Paulo VI conclui de forma surpreendente: Nós pensamos que, nesta vossa busca interior, vós percebeis a necessidade de Deus. Na verdade, o Papa fala aqui opinativamente e não magisterialmente.
A semiologia da juventude feita pelo Papa no discurso de 3 de Janeiro de 1972 é ainda mais claramente antitética à tradicional católica. Descrevem-se como qualidades positivas o natural desinteresse pelo passado, a crítica fácil, a previsão intuitiva. Estas características não convêm à verdadeira psicologia da juventude, e não são positivas.
Separar-se do passado é uma impossibilidade moral, histórica e religiosa: basta dizer que para o cristão toda a sua vida e todo o seu compromisso na vida depende do baptismo, que é um antecedente; e o baptismo, por sua vez, da família, outro antecedente; e a família, finalmente, da Igreja, que constitui o antecedente último.
Que a juventude tenha sentido crítico (ou seja, juízo de discernimento) é difícil de sustentar se se reconhece a evolução na formação do homem, se se distingue o momento de imaturidade face ao maduro, e se se admite que inicialmente o sujeito se encontra numa situação na qual deve converter-se no que ainda não é.
Finalmente, a previsão é coisa novíssima na psicologia, que sempre reconheceu ao jovem um tardus previsor (Horácio, Ars poet. 164): alguém que vê tardiamente não apenas os acontecimentos do mundo, mas também a sua própria utilidade. Na realidade, temeritas est florentis aetatis, prudentia senescentis [mocidade temerária, prudência na velhice] (Cícero, De senectute, VI, 20).
Mas o entusiasmo por Hebe leva o Pontífice a proclamar que vós podeis estar na vanguarda profética da causa conjunta da justiça e da paz porque vós, antes e mais do que os demais, tendes o sentido da justiça, e todos (os não-jovens) estão a vosso favor: estes como triários, os jovens como vanguardistas.
Não é difícil descobrir no discurso juvenilizante de Paulo VI à Boys Town uma singular inversão das naturezas, pela qual quem deve guiar é guiado, e o imaturo é exemplo para o maduro. A atribuição à juventude de um sentido inato da justiça não tem fundamento em nenhuma semiologia católica. Certamente a comoção do seu ânimo (contagiado pelo temperamento juvenil) inclinou o Papa para uma doxologia da juventude. Esta mesma inclinação ao entusiasmo efébico, conduziu-o noutra ocasião a mudar a letra do texto sagrado, lendo os jovens onde está escrito as crianças (Mateus 21, 15), em apoio à afirmação segundo a qual foi a juventude quem intuiu a divindade de Cristo (OR, 12 de Abril de 1976).
Mais sobre a juvenilização da Igreja. Os bispos suíços.
Para demonstrar que o culto de Hebe não é apenas algo próprio do Papa, mas que está difundido em todas as ordens da Igreja, não citarei as quase infinitas obras de clérigos e leigos, mas um documento da Conferência Episcopal Suíça para a festa nacional de 1969. Nele é dito que o protesto juvenil leva consigo valores de autenticidade, de disponibilidade, de respeito pelo homem, de rejeição da mediocridade, de denúncia da opressão: valores que, bem vistos, se encontram no Evangelho.
É fácil constatar como os bispos suíços pecam por indeterminação lógica.
A autenticidade, no sentido católico, não consiste em apresentar-se como naturalmente se é, mas em fazer-se como se deve ser: ou seja, em última instância, consiste na humildade.
A disponibilidade é em si mesma indiferente e será classificada como boa somente em função do bem face ao qual o homem se encontra disponível.
O respeito pelo homem exclui o desprezo pelo passado do homem e o repúdio da Igreja histórica.
A rejeição da mediocridade, à parte de pecar por indeterminação (mediocridade em quê?), opõe-se à sabedoria antiga, à virtude de resignação e à pobreza de espírito.
E que estamos na presença de novas metas humana e religiosas é uma afirmação que privilegia o novo enquanto novo, e esquece que não há outra criatura nova à parte da refundada pelo Homem-Deus, nem outras metas diferentes às prescritas por Ele.
Depois, os bispos chegam até a apontar os jovens como um sinal dos tempos e como a própria voz de Deus ante toda a cristandade contemporânea, mas esse composto de palavras revela-se um absurdo pela adulação desmesurada, e ainda mais absurdo do que o vox populi vox Dei, porque faz de um movimento em grande parte irreflexivo, um órgão da vontade divina e quase um texto da divina Revelação.
Também vai contra o princípio católico da humildade e da obediência louvar que os jovens queiram ser protagonistas, já que a Igreja não é só dos jovens, e nem todos podem vir a prevalecer: este protagonismo desconhece os direitos dos demais. Reconhecer aos demais é o princípio da religião, à parte do princípio da justiça.
Concluindo esta análise da nova conduta do mundo e da Igreja face à juventude, notaremos que também aqui foi realizada uma alteração semântica, convertendo-se os termos paternal e paternalista em termos pejorativos: como se a educação do pai (enquanto pai) não fosse um exercício excelente de sabedoria e de amor, e como se não fosse paternal toda a pedagogia com a qual Deus educou o género humano no caminho da salvação.
Como não ver que num sistema onde o valor é baseado na autenticidade e na rejeição de toda imitação, a primeira rejeição será à dependência paterna? Apesar dos eufemismos de clérigos e laicos, o certo é que a juventude é um estado de virtualidade e de imperfeição, e não pode ser considerada como um estado ideal nem tomada como modelo.
Além disso, o valor da juventude existe enquanto é futuro e esperança do futuro, de tal modo que diminui e desaparece quando o futuro se realiza.
A fábula de Hebe converte-se na fábula de Psique. Se se diviniza a juventude, conduz-se ao pessimismo, porque se obriga a desejar uma perpetuação impossível. A juventude é um projecto de não-juventude, e a idade madura não deve ser modelada por ela, mas sim pela sabedoria da maturidade.
Nenhuma idade da vida têm como modelo o seu próprio devir para outra idade. Na realidade o modelo para cada uma é dado pela essência deontológica do homem, que deve ser procurada e vivida, e é idêntica para todas as idades da vida. Também aqui o espírito de vertigem impulsiona o dependente para a independência e ao insuficiente para a auto-suficiência.
Romano Amerio in «Iota Unum», 1985.
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