Para combater o subjectivismo e o racionalismo, que são a base dos erros liberais, não farei alusão às filosofias modernas infectadas precisamente de subjectivismo e racionalismo. Não é nem o sujeito, nem os seus conhecimentos e os seus anseios que a filosofia de sempre, e em particular a metafísica, toma por objecto, é o ser mesmo das coisas, é aquilo que é. Com efeito, é o ser com as suas leis e princípios, o que nosso conhecimento mais espontâneo descobre. E no seu ápice a sabedoria natural (que é essa filosofia) chega pela teodiceia ou teologia natural ao Ser por excelência, ao Ser subsistente por si mesmo. É este Ser primeiro que o senso comum, apoiado, sustentado e elevado pelas verdades da fé, sugere que seja colocado no topo do real, conforme a Sua definição revelada: Ego sum qui sum (Ex 3, 14): Eu sou aquele que sou. Bem sabeis que quando Moisés perguntou o Seu nome, Deus respondeu: Eu sou o que sou, o que significa: Eu sou Aquele que é por si mesmo, possuo o Ser por mim mesmo. É o ens a se: o ser por si mesmo, em oposição a todos os outros seres que são ens ab alio: ser por outro ser, pelo dom que Deus lhes fez da existência! Este é um princípio tão admirável, que se pode meditar sobre ele durante horas. Ter o ser por si, é viver na eternidade, é ser eterno. Aquele que tem o ser por si mesmo sempre teve que tê-lo, o ser nunca poderia havê-lo abandonado. É sempre, foi sempre, será sempre. Pelo contrário, aquele que é ens ab alio, ser por outro ser, recebeu de outro, portanto começou a ser em algum momento, portanto começou!
Como esta consideração nos deve manter humildes! Compenetrarmo-nos do nada que somos diante de Deus! "Eu sou aquele que é, e tu és aquele que não é", dizia Nosso Senhor a uma santa alma. Como é verdadeiro! Quanto mais o homem absorver este princípio da mais elementar filosofia, melhor saberá o seu verdadeiro lugar diante de Deus.
Somente o facto de dizer: eu sou ab alio, Deus é ens a se; eu comecei a ser, Deus é sempre. Que contraste admirável! Que abismo! É por acaso este pequeno ab alio, que recebe o seu ser de Deus, que teria o poder de limitar a Glória de Deus? Teria o direito de dizer a Deus: tens direito a isto, mas mais nada? "Reina nos corações, nas sacristias, nas capelas, sim; mas na rua e na cidade não!" Que insolência! Igualmente seria este ab alio quem teria o poder de reformar os planos de Deus, de fazer com que as coisas sejam de outra maneira, diferentes de como Deus as fez? E as leis que Deus, em Sua sabedoria e omnipotência criou para todos os seres e especialmente para o homem e para a sociedade, teria o desprezível ab alio o poder de rechaçá-las a seu capricho, dizendo: "Eu sou livre!" Que pretensão! Que absurda esta rebelião do Liberalismo! Vede como é importante possuir uma sã filosofia e ter assim um conhecimento profundo da ordem natural, individual, social e política. Para isto o ensinamento de Santo Tomás de Aquino é insubstituível. Leão XIII o citou na sua encíclica Aeterni Patris de 4 de Agosto de 1879:
«Some-se a isto que o Doutor Angélico procurou as conclusões filosóficas na razão e princípio das coisas, princípios estes que se estendem amplamente e encerram em seu interior as sementes de inúmeras verdades que dariam abundantes frutos com os mestres posteriores. Tendo empregado este método de filosofia, conseguiu vencer os erros dos tempos passados e fornecer armas invencíveis para refutar os erros que sempre haviam de se renovar nos séculos futuros.»
Mons. Marcel Lefebvre in «Do Liberalismo à Apostasia: A Tragédia Conciliar», 1987.
1 comentário:
Que fantástica síntese de Mons. Lefebvre. Mas advirta-se: a tradução de "ens" não é "ser", mas "ente".
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