6 de Abril: Batalha dos Atoleiros


«– Amigos, bem creio que já todos sabeis como o Mestre, meu senhor, me mandou a esta terra para com a ajuda de Deus e vossa, a defendermos de algum mal ou dano que os Castelhanos queiram praticar. E porque tenho recado certo de que o Prior do Hospital, meu irmão, o Mestre de Alcântara, e Martim Anes de Barundo, que contra direito se intitula Mestre de Avis, e Pêro Gonçalves de Sevilha e outros senhores com muita gente estão no Crato, que daqui é mui cerca, prontos a entrar nesta terra e destruí-la, minha vontade é de ir em vossa companhia buscá-los antes que se movam, e pelejar com eles. Espero na mercê de Deus ter deles vencimento, o que será para o Mestre, meu senhor, extremado serviço, e para vós honra e grande bem, pois defendeis a vossa terra, o que direitamente vos pertence».
Tanto que Nun'Álvares acabou estas palavras, todos à uma disseram que a coisa era pesada e muito de cuidar, pedindo, lhes desse espaço para nisso pensarem; e após responderiam. Não foi Nun'Álvares mui satisfeito, mas sofreu-se, porque não podia fazer mais. Ao dia seguinte, feito seu acordo, responderam por esta forma:
«– Nun'Álvares senhor, bem entendido temos o que ontem nos dissestes: e achamos que é coisa muito duvidosa irmos em vossa companhia pelejar com aquela gente pelas razões que vamos dar. A primeira por serem grandes senhores e com muita gente; a segunda porque vêm com eles o Prior, vosso irmão, que é um dos principais, e outros vossos irmãos, e é dura coisa pelejardes vós com eles; a terceira porque tendes muito pouca gente, comparada com a deles. Concluindo: não temos intenção de irmos convosco a tal peleja».
Quando Nun'Álvares tal resposta ouviu teve ainda maior pena que da primeira vez; e com a grande dor e aflição em que ficou, lembrou-se de lhes falar assim. Corria em frente deles uma pequena regueira com uma pouca de água e Nun'Álvares foi para eles e exclamou:
«– Amigos, de mim não sei que vos diga mais do que já disse; mas enfim vou responder às razões que me destes, uma por uma. A primeira, dos Castelhanos serem grandes senhores, tanto maior honra e louvor vos será de os vencerdes. Quanto à dúvida que tendes por ali virem meus irmãos, eu vos digo e prometo de verdade que ainda que lá viesse meu pai, eu seria contra ele, por servir o Mestre, meu senhor, e defender a terra que nos criou. E para verdes que assim é, se quiserdes ser comigo nesta obra, eu vos juro que serei o primeiro que a comece, para verdes a vontade que tenho neste feito contra eles. E enfim, pela parte de sermos poucos e eles muitos, não duvideis por isso de irdes a tal obra, pois muitas vezes aconteceu os poucos vencerem os muitos, que o vencimento está em Deus e não nos homens. Mas já que assim é, rogo-vos que aqueles que quiserem ir comigo a esta obra se passem da parte d'além deste regato, os que não quiserem fiquem de cá».
E isto dizendo passou ele; e os outros, quando o viram fazer, todos disseram que queriam ir com ele e passaram também.

Fonte: «Crónica do Condestável de Portugal», século XV.

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