Do Francesismo


O deão da Sé de Elvas, José Carlos de Lara, dirige-se ao Convento dos Capuchos, em cuja cerca encontra um padre jubilado, com quem trava uma conversa acerca das estatuetas do jardim.

O bom Lara, que havia longo tempo,
Que, nesta santa Casa não entrava,
Aturdido ficou, quando a seus olhos,
Na Cerca entrando, juntos se lhe oferecem
As areadas ruas, as Estátuas,
Os Buxos, os Craveiros, as Latadas
De mil flores cobertas, e que, em torno,
O virente jardim adereçavam;
E não bem quatro passos tinha dado,
Quando, fitando curioso a lente
Na estátua, que primeira ali se encontra,
Pergunta ao Jubilado: «Quem é este
Monsieur Paris, segundo diz a letra,
Que por baixo, na base, tem aberta?
Se se houver de julgar pela aparência;
O nome, a catadura, o penteado
Dizendo-nos estão que este bilhostre
Foi Francês, e talvez Cabeleireiro,
Inventor do topete, que o enfeita.»
– «Páris, e não Paris diz o letreiro,
(Circunspecto lhe volve o Padre Mestre)
Nem Francês, como crê, Cabeleireiro
A personagem foi, que representa;
Mas em Tróia nasceu de estirpe régia.»
– «Pois, se Francês não foi (replica o Lara)
Como Monsieur lhe chamam?» – C'um sorriso
Lhe torna o Padre Mestre: «Não se admire
Que isto está sucedendo a cada passo:
Ao pé de cada canto, hoje, sem pejo,
Se tratam de Monsieurs os Portugueses.
Isto, Senhor, é moda; e como é moda,
A quisemos seguir; e sobretudo
Mostrar ao mundo, que Francês sabemos.»

– «De tanto peso pois (lhe volve o Lara)
É, Padre Jubilado, por ventura,
O saber o Francês, que d'isso alarde
Fazer quisessem vossas Reverências?
Por acaso, sem esse sacramento,
Não podiam salvar-se, e serem sábios?
Pois aqui, em segredo, lhe descubro,
Que o Francês, para mim, o mesmo monta,
Que a língua dos selvagens Botocudos.»

– «Não diga, Senhor, tal; que neste tempo,
Oh Tempos, oh Costumes! (diz o Padre)
O saber o Francês é saber tudo.
É pasmar ver, Senhor, como um pascácio,
De Francês com dois dedos se abalança,
Perante os homens doutos, e sisudos,
A falar nas ciências mais profundas,
Sem que lhe escape a Santa Teologia,
Alta ciência, aos Claustros reservada,
Que tanto fez suar ao grande Escoto,
Aos Bacónios, aos Lúlios, e a mim próprio.
Desta audácia, Senhor, deste descoco,
Que entre nós, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terríveis consequências,
É a nossa Portuguesa, casta linguagem,
Que em tantas traduções anda envasada
(Traduções, que merecem ser queimadas!)
Em mil termos, e frases Galicanas!
Ah! se as marmóreas campas levantando,
Saíssem dos Sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os Antigos
Lusitanos Varões, que com a pena,
Ou com a espada e lança, a Pátria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dicção, bastardos termos,
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridículos Autores;
(Como se a bela, e fértil língua nossa,
Primogénita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
Súbito, certamente, pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quelimane, Sofala, ou Moçambique;
Até que já, por fim, desenganados
Que eram em Portugal, que os Portugueses
Eram também, os que costumes, língua,
Por tão estranhos modos, afrontaram,
Segunda vez de pejo morreriam.

António Cruz e Silva in «O Hissope», 1768.

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