Hitler e Jesse Owens


Rezam as crónicas que, nos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, Adolf Hitler, furioso com o facto de o lendário atleta americano Jesse Owens, um negro, ter ganho a medalha de ouro nos 100 metros, abandonou a tribuna de honra sem lhe apertar a mão, ou sem sequer o saudar. Mas afinal, as crónicas estavam erradas. Propositadamente erradas. Siegfried Mischner, um veterano jornalista desportivo alemão de 83 anos, disse há dias que não só Hitler apertou a mão a Owens, como este andou durante muito tempo na carteira com uma fotografia que documentava o momento, e que o próprio campeão americano lhe chegou a mostrar.
Segundo o diário inglês Daily Mail, Mischner revelou que a foto de Hitler a cumprimentar Owens foi tirada por trás da tribuna de honra. "Mas eu vi tudo, vi Owens apertar a mão de Hitler." O jornalista acrescentou que outros colegas estavam com ele nessa altura, mas "ninguém queria dar uma boa imagem do monstro Hitler", por isso o acontecimento foi omitido. "A opinião predominante na Alemanha do pós-guerra era de que Hitler tinha ignorado Owens ostensivamente. E o consenso foi de que era preciso continuar a mostrar Hitler sob uma luz negativa em relação a Owens. Mas agora todos os meus colegas já morreram, Owens já morreu. Pensei que esta seria a última oportunidade para corrigir os registos. Não tenho a menor ideia onde estará a fotografia, ou se ainda existe sequer", esclareceu ainda Siegfried Mischner.
É sabido que Jesse Owens nunca viu com bons olhos o facto de a imprensa sempre ter insistido que Hitler não o tinha saudado após a sua memorável vitória nos 100 metros, e a conquista da sua primeira de quatro medalhas de ouro nas Olimpíadas de Berlim, nesse distante dia 3 de Agosto de 1936. Ainda segundo Mischner, Owens sempre "insistiu que não tinha sido ignorado por Hitler, mas sem fazer referência a tê-lo encontrado e a terem apertado as mãos. Provavelmente fizeram-no engolir o mito, tal como a nós". E para a posteridade, em vez da verdade límpida, vingou o mito odioso.
Ironicamente, Jesse Owens nem sequer foi cumprimentado pelos seus feitos olímpicos pelo presidente dos EUA, o muito liberal Roosevelt, que nem se dignou convidá-lo para a Casa Branca. "Não foi Hitler que me ignorou – quem o fez foi Franklin Delano Roosevelt. O presidente nem sequer me mandou um telegrama", disse mais tarde Owens a Jeremy Schaap, autor do livro Triumph, sobre os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936. E Harry Truman, sucessor de Roosevelt, não fez nada para corrigir a omissão deste.
Jesse Owens teve direito a uma parada de vitória em Nova Iorque, mas, devido às leis de segregação racial então vigentes nos EUA, foi impedido de ir no elevador dos hóspedes à recepção dada em sua honra no Hotel Waldord-Astoria. E teve que apanhar o elevador dos fornecedores para estar no cocktail em que era celebrado. Os berlinenses nunca o esqueceram, e em 1984 foi inaugurada a Rua Jesse Owens, perto do Estádio Olímpico de Berlim. Muitos anos antes de qualquer homenagem semelhante nos EUA.

Fonte: «Diário de Notícias», 29 de Agosto de 2009.

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