Desde tempo imemorial que este nome passa em todo o Reino, e Domínios Portugueses, por sinónimo de probo, honrado e valeroso. – Seria infinito quem se propusesse coligir as provas da justiça com que lhes são concedidos estes nobres e gloriosos epítetos, ou se quer nomear os varões assinalados que saíram da Província de Trás-os-Montes, para encherem os lugares mais honoríficos da Igreja e do Estado.
No tocante aos exercícios da guerra, e ao valor e coragem, que ali se demandam, creio que ninguém apresentará maior cópia de títulos autênticos para uma inquestionável primazia, e se algum dos nossos Conterrâneos, ou por mal informado, eu por invejoso, me quisesse disputar o que ousadamente afirmo, bastaria lembrar-lhe os memoráveis campos da Godinha onde os Transmontanos, Dragões de Chaves, quiseram antes ser cortados e feitos em postas, desde o Chefe até ao último Soldado, que renderem-se ao inimigo, acção esta que os Escritores Portugueses censuram, e taxam de indiscreta, mas que os Estrangeiros têm querido chamar, e reivindicar para os seus concidadãos.
Quando este grande exemplo, por ser único, deixasse de o abalar, então lhe faria ver em nossos Historiadores, quando tratam da portentosa vitória de Montes Claros, decisiva da sorte de Portugal, onde os Terços e Esquadrões Transmontanos fizeram a principal figura, mais outro irrefragável monumento daquela bem fundada primazia. «Estas – explica-se deste modo uma Relação Castelhana impressa em Lisboa, poucos dias depois daquela gloriosíssima vitória – estas bravas gientes de Tras los Montes parece que en todos lugares se reproduzian para vencer.»
Concedido, porém, que faltasse a nuvem de argumentos do valor Transmontano, que enche e enobrece todas as páginas da nossa História, que é o que nós temos visto e admirado, senão uma pleníssima demonstração do ingénito valor, que não cede ao que nesta parte, ou referem os Historiadores, ou cantam as antigas Musas?
Reparemos na Continência desses animosos Soldados que não pôde ser minguada, ou escurecida, por uma série de privações e de trabalhos, que porventura custariam a própria vida a quem não fosse Transmontano.
Admiremos a invencível firmeza com que depois de reprovada a sua causa pelos que se reputavam Deuses da terra, e depois de se verem abandonados de uma grande parte dos seus Chefes (pois houve Regimento fiel ao grande Silveira, ou à causa da razão e da justiça, em que somente dois Oficiais, quiseram participar dos trabalhos, que se antolham sempre no caminho da honra e da virtude!) assim mesmo foram Catões, preferindo os desastres que pareciam amontoados sobre a boa causa, às aliciações, recompensadas, e vantagens, de que se ataviava a má causa para os fascinar e iludir.
Quem morre nas Termópilas, ainda consegue mais frondosos Louros do que haviam de ser os conseguidos nas planícies de Mantineia... A retirada dos dez mil, é o feito de armas por certo o mais brilhante, e assinalado da História antiga, e que leva a palma aos triunfos do Granico e de Arbela... E que é a penosa marcha dos Transmontanos através da Espanha, sobre modo inquieta e agitada, senão numa viva imagem da famosa retirada dos dez mil? Que suave e gostosa é para mim, e para os bons Portugueses, que só os maus pensaram de outro modo, a lembrança das alturas de Santa Bárbara, e dos ilustres Generais, Vaia, Teixeira, e Correia de Morais, inseparáveis da sorte, e destinos, do novo Xenofonte! A povoação da Trindade é outra Numância e Sagunto... As Mães e as Esposas Transmontanas, são as heroínas de Lacedemónia, e também excitam os seus filhos e os seus Esposos, com o decantado Aut cum hoc, aut in hoc... Ou morrer combatendo sob as ordens do Conde de Amarante, ou voltar com ele já vencedor e triunfante... Ah! Estas heroínas ainda fizeram mais, querendo expulsar de suas casas os prófugos que desertaram das bandeiras da honra e da Fé!
Que mais falta para a glória dos heróis Transmontanos, cujos nomes deveriam abrir-se em laminar de ouro, como se decretou relativamente aos heróis das Termópilas? Que sejam remunerados... e que nunca se chegue a dizer que o seu Rei, que a sua Pátria, e que os seus Concidadãos, lhe foram ingratos.
D. Frei Fortunato de São Boaventura in «O Punhal dos Corcundas», Nº 2, 1823.
2 comentários:
Obrigado por mais uma excelente publicação.
O texto é muito bom. O mapa, que não conhecia, também é muito interessante. Se me permite a sugestão, poderia publicar outros textos deste mesmo teor correspondendo às restantes províncias portuguesas.
Bem-haja.
José Nogueira
Obrigado, José Nogueira.
Terei em atenção a sua sugestão.
Volte sempre!
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