Quanto pior um homem se vai tornando, menos irá compreendendo a sua maldade, exactamente como sucede a um doente, cuja febre vai subindo até o fazer delirar, e que menos e menos compreende que está doente, quanto mais febre tem e mais delira, – a ponto de poder julgar-se tão perfeitamente são, que quer erguer-se do leito para ir trabalhar. Todas as pessoas banalmente más se julgam boas. Só quando acordamos é que sabemos que estivemos a dormir, tal qual só reconhecemos que éramos pecadores, quando libertos do pecado e restituídos à graça de Deus.
Só quando estamos doentes é que pedimos um médico, e só quando nos confessamos pecadores é que imploramos o perdão do Redentor. Assim o disse Nosso Senhor: «Os que têm saúde não precisam de médico, mas sim os que estão doentes» (S. Mateus, IX, 12).
Quando, pois, chegarmos ao ponto de começarmos a sentir-nos e a dizer-nos maus, – então, e só então, estaremos no caminho que levou para o Paraíso o bom ladrão. O reconhecimento da culpa é a condição da conversão, assim como o reconhecimento da doença é a condição do seu tratamento. Enquanto nos julgarmos bons, nunca encontraremos Deus.
Se na nossa petulante vaidade julgamos que sabemos tudo, como poderemos admitir, ou conceber sequer, que Deus nos pode ensinar seja o que for que não saibamos já?
Condescendemos às vezes em reconhecer que temos mau génio, ou que somos um tanto imoderados nos prazeres, sejam da mesa, sejam outros, – mas haverá alguém que leve a condescendência até ao ponto de reconhecer que é vaidoso ou sequer apenas pretensioso? Se não há ninguém que não censure os outros por serem vaidosos, como haverá quem reconheça em si próprio esse pecado? Quanto mais pretensioso cada um for, mais abominará a pretensão dos outros. Quanto mais cada um disser: «Vaidoso é que eu não sou!», mais demonstrará que o é, – como aquele seminarista ingenuamente vaidoso, que depois de ouvir na aula de moral uma lição sobre os males da vaidade e as virtudes da humildade, exclamou entusiasmado para o padre professor: «Eu, senhor padre, a respeito de humildade cristã, estou primeiro que ninguém!»
A vaidade e o orgulho faz com que vejamos toda a restante humanidade lá muito em baixo, – de maneira que nunca poderemos erguer os olhos para ver Deus lá muito em cima. E realmente, se o nosso orgulho não nos deixa reconhecer e admitir outra lei e outra autoridade que não sejam a nossa própria, está claro que é um orgulho essencialmente contrário à lei e à autoridade de Deus.
Todos os mais pecados que possamos cometer, tais como avareza, luxúria, cólera, gula, todos podem provir de nós apenas, – mas o pecado do orgulho, esse provém directamente de Satanás.
Foi esse o pecado que o precipitou, e aos anjos seus sequazes, do alto dos Céus no abismo do Inferno, e é um pecado que elimina até mesmo a possibilidade da conversão.
Se, portanto, formos capazes de nos humilharmos, como se humilhou o ladrão crucificado à direita de Nosso Senhor; se chegarmos como ele a confessar que pecamos, então o nosso brado de arrependimento erguer-se-á até Deus, a implorar-Lhe que Se lembre de nós na desventura em que caímos! No mesmo instante em que deixarmos de nos envaidecer e em que começarmos a ver-nos como realmente somos, então na nossa humildade e penitência seremos erguidos pela graça de Deus até ao Seu perdão.
Façamos, portanto, o nosso exame de consciência: perguntemos a nós próprios, com total e inteira franqueza, não se sabemos muitas coisas, mas sim quais as muitíssimas coisas que não sabemos; não se somos muito bons e virtuosos, mas se somos muito maus e muito pecadores. Julguemo-nos a nós mesmos, não à luz do nosso amor-próprio, mas à luz da nossa recta consciência; não à vista da nossa cultura, mas à vista dos nossos actos; não perante a nossa educação, mas perante o nosso coração. Não tardaremos, se bem verdadeira, leal e profundamente nos examinarmos, em sentir nas nossas almas um grande vácuo, em reconhecer que só estavam cheias da negação que se chama pecado, em experimentar a sede da água límpida da Divina Graça, em bradar como o bom ladrão – e como depois dele, todos os tementes a Deus, quando se vão ajoelhar no Tribunal da Penitência: «Padre, absolva-me, porque pequei e sou agora um pecador arrependido!». É assim que principia para cada um de nós a salvação.
O bom ladrão, com ser bom, foi ladrão até na morte, porque conseguiu com ela ser ladrão do Paraíso, que em vida não merecera e só à hora da morte conquistou.
Pois também cada um de nós, se conquistar o Paraíso, será ladrão como ele foi, porque teremos conquistado o que também em vida não merecemos: o eterno descanso na perpétua luz e na suprema paz do Reino de Deus!
Mons. Fulton Sheen in «As Sete Palavras da Cruz», 1953.
1 comentário:
Magnífico!
muito obrigada.
Que Deus vos abênçoe.
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