Milagre e Batalha de Ourique


Mas já o Príncipe Afonso aparelhava
O Lusitano exército ditoso,
Contra o Mouro que as terras habitava
De além do claro Tejo deleitoso;
Já no campo de Ourique se assentava
O arraial soberbo e belicoso,
Defronte do inimigo Sarraceno,
Posto que em força e gente tão pequeno;

Em nenhuma outra cousa confiado,
Senão no sumo Deus que o Céu regia,
Que tão pouco era o povo baptizado,
Que, para um só, cem Mouros haveria.
Julga qualquer juízo sossegado
Por mais temeridade que ousadia
Cometer um tamanho ajuntamento,
Que para um cavaleiro houvesse cento.

Cinco Reis Mouros são os inimigos,
Dos quais o principal Ismar se chama;
Todos experimentados nos perigos
Da guerra, onde se alcança a ilustre fama.
Seguem guerreiras damas seus amigos,
Imitando a formosa e forte Dama
De quem tanto os Troianos se ajudaram,
E as que o Termodonte já gostaram.

A matutina luz, serena e fria,
As Estrelas do Pólo já apartava,
Quando na Cruz o Filho de Maria,
Amostrando-se a Afonso, o animava.
Ele, adorando Quem lhe aparecia,
Na Fé todo inflamado, assim gritava:
«Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis,
E não a mim, que creio o que podeis!»

Com tal milagre os ânimos da gente
Portuguesa inflamados, levantavam
Por seu Rei natural este excelente
Príncipe, que do peito tanto amavam;
E diante do exército potente
Dos inimigos, gritando, o céu tocavam,
Dizendo em alta voz: «Real, real,
Por Afonso, alto Rei de Portugal!»

Luís Vaz de Camões in «Os Lusíadas», 1572.

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