Irei nomeando sempre a este Príncipe Rei de Castela; e não pareça que me abstenho de lhe dar título de Rei de Espanha sem fundamento; porque enquanto houve Reis nesta Coroa, nunca deram tal título aos Reis daquele Reino, intitulando no sobrescrito, até ao Imperador Carlos V, Rei de Castela somente: porque logo que Alexandre VI concedeu este título a el-Rei Dom Fernando, o Católico, se reclamou em Portugal: e ainda que confirmado depois por Leão X a Carlos V, não consentiram em tal coisa os Reis deste Reino, sentidos justamente do agravo que se lhes fazia em dar título de Reis de Espanha absolutamente a seus vizinhos, sendo que é Portugal uma parte tão principal de Espanha.
Mais, razão mostraram os Reis de Castela em contrariar aos Pontífices dar título de Rei de Toscana ao Duque de Florença, por serem eles senhores do lugar de Piombino naquele Estado, e por respeito deste lugar que ali possuem, contendem que a aquele Príncipe se não dê nome de Rei da Toscana, senão Rei na Toscana. Quanto é mais um Reino, e tal Reino como o de Portugal, que um lugar limitado, qual Piombino, tanto mais razão temos os Portugueses de não aprovar este capricho dos Reis de Castela, e não lhe conceder nunca o título de Reis de Espanha, maiormente em ocasião que se lhe desuniu a Coroa de Portugal e se restituiu a V. Majestade; e o Cristianíssimo Rei de França, Luís XIII, está jurado Conde de Barcelona, cabeça do Principado da Catalunha, outra porção de Espanha tão considerável. El-Rei de Leão e Castela Dom Afonso VI se fez chamar Imperador das Espanhas, porém o Conde de Barcelona Dom Ramon Berenguer, seu sogro, se intitulou Marquês das Espanhas para mostrar que, em Província aonde havia dois senhores independentes, não podia um deles presumir título em que ficasse incluído o Estado do outro: e quando um quisesse ampliar o título, ficava lugar ao vizinho para a mesma ampliação. Hoje é el-Rei Cristianíssimo Conde de Barcelona: quem impedirá dar-se título de Conde das Espanhas, vendo que el-Rei de Castela conserva o título de Rei de Espanha, sendo ele legítimo Senhor da Catalunha? Quem notará também a Vossa Majestade intitular-se Rei (se quiser) de Espanha, aonde o Reino de Portugal está situado. O Bispo de Palência, D. Rodrigo Sanches, trabalhou quanto pôde por persuadir que nos Reis de Leão e Castela andava direitamente o título de Reis de Espanha, mas foi com tão pouco fundamento, como o que teve António de Nebrissa para atribuir aos Castelhanos o nome de Espanhóis, que qualquer das outras nações de Espanha pode aplicar a si quando não queira usar do próprio e particular de cada Província. Costumou a nação Castelhana a introduzir-se tanto no alheio, que é razão, quando o desapossarmos dos Reinos, lhe não fique por restituir o título e apelido que lhe não é próprio; antes vai mostrando o tempo que lhe sucede a el-Rei de Castela o que a Suvatislão, Rei de Moscóvia, que sem causa quis ocupar a Grécia e foi a causa de ficar perdido, mandando-lhe o Príncipe Cures por esta letra: BUSCANDO O ALHEIO PERDEU O PRÓPRIO. Quarendo aliena propria amicit: em perder este Reino, que tinha usurpado, e dando lugar a V. Majestade ser restituído, nos ocasionou o primeiro dia de boa dita.
Frei Francisco Brandão in «Discurso gratulatório sobre o dia da feliz restituição e aclamação da Majestade d'el-Rei D. João IV N. S.», 1642.
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