El-Rei Dom Dinis


Dom Dinis, único do nome e sexto na ordem entre os Reis de Portugal: Por morte d'el-Rei Dom Afonso III, seu pai, cingiu a Coroa, no ano de 1279, tendo dezoito de idade. Achava-se então Portugal totalmente limpo e livre da imunda e pesada carga dos Mouros, que os Reis seus predecessores acabavam de sacudir dos confins do Reino, e cessando os empregos militares, se aplicou todo aos Civis e políticos. Foi grande mestre na arte de Reinar, e nela poucos Reis o igualaram, nenhum o excedeu. Soube prevenir os sucessos, escolher os meios, caminhar direitamente aos fins e lograr as ocasiões. Aumentou Portugal com novos Estados [Tratado de Alcanizes], quais foram as Vilas de Olivença, Campo Maior, Serpa, Moura, e outras sobre Guadiana, e outras muitas de Ribacôa. E passou a ser naqueles Reinos (como dizemos em outra parte) árbitro dos seus mesmos Reis. Em seu tempo, não houve em Portugal, nem gente, nem terras ociosas; a El-Rei chamavam o Lavrador: E El-Rei aos lavradores chamava: Os nervos da República [Coisa Pública], como já lhe havia chamado a antiguidade companheiros da natureza: Concedeu-lhe, como a tais, grandes isenções e privilégios. Fez roçar e abrir dilatadíssimas brenhas em muitas partes do Reino, que não serviam mais que para couto de feras, e mandou plantar árvores e semear frutos, utilizando o inútil em benefício dos povos. Ao desvelo da cultura, se seguia a continuação da fertilidade, que foi perene no seu tempo; em prova de que, se falta trigo em Portugal, não é porque faltem terras aos lavradores, senão lavradores para as terras, e a estes o favor dos Reis. Mandou plantar o pinhal de Leiria, como prevendo a necessidade que haviam de ter algum dia, os Reis seus sucessores para as armadas com que depois conquistaram tão largas porções da África, da Ásia, da América. Ao cuidado de cultivar as terras, ajuntava o de fortalecer as Cidades e Vilas do seu Reino, com muros e Castelos. Tais foram, Braga, Porto, Miranda, Guimarães, Óbidos, e outras muitas; edificou de novo, ou reformou, como se as edificara, quarenta e quatro Vilas. Mas entre as suas fábricas, sobressaem justamente a rua nova de Lisboa, o insigne Mosteiro de Odivelas, e a Universidade, que fundou a primeira vez em Coimbra, onde depois de várias mudanças, veio a fazer seu assento, e a Capela Real, com Capelães e músicos para serviço do Coro, que instituiu no Palácio da Alcáçova (como outro dia dizemos). Fundou a Ordem de Cristo (como também bem dizemos em outro dia) e fez eximir a de São Tiago da sujeição de Castela. Por estas e outras grandes obras, lhe chamavam: O Pai da Pátria: e dele se dizia vulgarmente: Que El-Rei Dom Dinis fez quanto quis. Nem antes nem depois, houve Rei em Espanha [Península Ibérica], e ainda na Europa, que o igualasse na liberalidade: Por ela passou a provérbio dizer-se: Liberal [generoso] como Dom Dinis: Da maneira que se costumava dizer: Como um Alexandre. Deixamos para outro lugar as imensas riquezas que derramou na jornada de Castela; antes dela, nas guerras civis que teve El-Rei Dom Fernando, seu genro, lhe deu um milhão de cruzados, que tudo para aquele tempo era uma soma inestimável. Na guerra que o mesmo Rei Dom Fernando teve com Granada, o socorreu com setecentos cavalos luzidíssimos, à ordem de Dom Martim Gil de Sousa, seu Alferes-mor, e com dezassete mil marcos de prata. A este modo despendia este grande Rei, inundando as suas dádivas no Reino próprio e nos estranhos. Fez amplíssimas doações a todas as Ordens Militares de Portugal, e a muitas das Igrejas Catedrais, e particulares, e Conventos. Teve por vezes guerras com Castela, provocado dos maus termos com que lhe faltavam à palavra, sobre ajuste de casamentos, os Reis Dom Sancho III e seu filho Dom Fernando IV. E à força de armas os fez pôr na razão, e os constrangeu a que lhe pedissem a paz, e recebessem do seu arbítrio as condições dela. Ao mesmo tempo, conservava nas costas do Reino do Algarve um bom número de Galés contra os Mouros, impedindo-lhes por este modo as extorsões que costumavam fazer naquele Reino e nos adjacentes, e os socorros que davam ao de Granada. Tão excessivas despesas nunca em seu tempo produziram nem a menor vexação dos povos. Tal era a providência d'el-Rei, tal a abundância do Reino, e tanta a riqueza que lhe tributavam as minas e as áreas. Das do Tejo se colhia naqueles tempos ouro em grande quantidade; dele mandou o mesmo Rei lavrar uma Coroa e Ceptro de grande valor. Nos últimos anos de sua vida, teve grandes desgostos com o Infante Dom Afonso, seu filho e sucessor do Reino, que impaciente na dilação de Reinar, tomando o vão pretexto do grande afecto e benevolência, com que El-Rei tratava a Dom Afonso Sanches, seu filho bastardo, se pôs em tom de guerra, fazendo grandes hostilidades no mesmo Reino, que estava próximo a ser seu, e tratando como a inimigos aos que eram fiéis e leais ao seu Rei natural. A tanto chega, ou passa, uma furiosa ambição! A grande prudência d'el-Rei, e também o peso das armas, e sobretudo as lágrimas e orações da Rainha Santa Isabel, que com desvelo incansável mediava entre o marido e o filho, serenaram estas perturbações, e reduziram a concórdia estas inimizades. O tumulto da Côrte, e a torrente de ocupações civis e militares, não lhe impediu a nobre aplicação ao estudo das letras humanas, e lição das histórias, e notícia das línguas, em que floresceu com grande vantagem. Foi dotado de ameníssimo engenho, e singularmente afeiçoado à poesia, e um dos primeiros que em Espanha compuseram versos, dos quais ainda permanecessem muitos. Em Roma se achou um livro de várias obras suas, em tempos d'el-Rei Dom João III; outro se guarda no Arquivo Real. Concluamos com um caso memorável sucedido a este Rei. Corria por aqueles tempos a nova fama de um Varão Santo, que morrera pouco antes: Este era Frei Luís, Bispo de Tolosa, da Religião dos Menores, filho de Carlos, Rei de Jerusalém e das duas Sicílias, a quem depois canonizou o Papa João XXI. Não cria El-Rei estes rumores, que talvez reputava mais encarecidos que verdadeiros. Aconselhava-lhe a Rainha Santa, sua mulher, que não só cresse, mas invocasse os poderes da intercessão daquele Santo Religioso; mas El-Rei não se deixava penetrar destas saudáveis admoestações. Eis que, andando à caça um dia, separado dos seus, se achou acometido de um disforme Urso; vieram a braços e viu-se El-Rei nos da morte (como outro Rei Fávila) então lhe lembrou o Santo Bispo Luís, e implorando a sua protecção, o viu no mesmo ponto, junto a si, e com o seu favor, matando a fera, ficou livre. Em memória deste caso, mandou edificar uma Igreja naquele mesmo lugar, que ainda hoje permanece, não longe da Cidade de Beja. Casou El-Rei Dom Dinis com a Rainha Santa Isabel, Infante de Aragão, da qual teve o Infante Dom Afonso, depois Rei IV do nome, e Dona Constança, mulher d'el-Rei Dom Fernando IV de Castela. Teve não legítimos: Afonso Sanches, depois seu Mordomo-mor, Senhor de Vila do Conde, Campo Maior e Albuquerque; Dom Pedro Afonso, Conde de Barcelos, Alferes-mor do Reino; outro Dom Pedro, chamado Conde, que escreveu o livro das linhagens, e foi o Sol que deu luz à Nobreza de Espanha; João Afonso, Senhor da Lousã e Arouca; Fernando Sanches, que está sepultado no Mosteiro de São Domingos de Santarém; Dona Urraca Leonor, que casou com Gonçalo Martins Porto Carreiro; Dona Urraca Afonso, que casou com Dom Álvaro de Gusmão, Senhor de Olvera, Arizuela e Mançanedo; Dona Maria Afonso, fundadora da Igreja de Santa Marinha de Lisboa, que casou com Dom João de Lacerda, Senhor de Gibraleão; Dona Maria, que foi Freira em Odivelas, onde morreu com opinião de Santa. Morreu El-Rei Dom Dinis neste dia [7 de Janeiro], ano de 1325, em santarém; viveu sessenta e quatro; Reinou quarenta e seis; Jaz sepultado no seu Real Mosteiro de Odivelas.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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