Pelos anos de 1585, habitava as terras fronteiras à Ilha de Moçambique, uma Nação de Cafres, chamados Macuas, gente bárbara e feroz, que vivia de contínuos roubos e homicídios, e usava comer carne humana, causando dano e terror universal em todas as nações circunvizinhas, de que não cabia pequena parte aos Portugueses, que moravam em Moçambique e tinham suas hortas, cearas e palmares na terra firme, à mercê daqueles cruéis gentios, que, como tais, lhes faziam, a cada passo, gravíssimos insultos e extorsões. Foi preciso castigá-los, e a este fim se ajuntaram quarenta Portugueses, que se achavam na Ilha, capazes de tomar armas, levando consigo seus escravos e cafres domésticos, e na madrugada deste dia [17 de Janeiro], deram sobre a principal povoação dos Macuas, e achando-os descuidados, degolaram boa parte deles e lhes puseram fogo às casas, ou choupanas, que por serem de palha, arderam brevemente. Conseguida a empresa a tão pouco custo, e em tão pouco tempo, parecia haveram logrado aqueles poucos Portugueses um grande dia, senão pela vitória, por se considerarem desafogados das precedentes opressões; Mas foi para eles muito maior o dano que o remédio: Porque os Macuas que escaparam, unidos com outros de outras povoações, se meteram em uns matos, por onde sabiam que haviam de voltar os Portugueses; Estes, na confiança de que os inimigos ficavam destruídos, e tão cortados do temor, que jamais ousariam levantar os olhos para eles, entregaram as armas aos seus escravos, e se meteram em andores, em que outros escravos os levavam às costas, e assim voltavam para Moçambique à desfilada, como por país seguro. Mas quando menos o cuidavam, deram sobre eles os Macuas, com tanta fúria e tanto a tempo, e com tão boa ordem, que apenas escaparam três Portugueses e alguns poucos Cafres da sua comitiva, que se puderam esconder nas brenhas. Ficou o campo alastrado de corpos mortos, que serviram de pasto à bárbara voracidade dos vencedores; Sendo este lastimoso caso uma nova confirmação de que o desprezo dos inimigos, ainda que fracos e vencidos, costuma tornar funestos os sucessos mais felizes.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
3 comentários:
Boa publicação.
Obrigado.
José Nogueira
Tempos complicados para juízos apressados. Como combater o mal? Assim ou com Cristo?
José Nogueira,
Obrigado.
Volte sempre.
Serra,
Sempre por Cristo, com Cristo e em Cristo. Não há outra forma de combater o Mal.
Volte sempre.
Enviar um comentário