A Religião é a base de que depende a segurança do Trono e a tranquilidade dos povos: ela é o freio moral do coração do homem, aonde não podem chegar as Leis civis, que somente podem regular e punir as acções externas. Destruída ela, ou desprezada, serão relaxados todos os vínculos da sociedade, todos os deveres, toda a Moral; perder-se-ia a civilização e os homens seriam reduzidos ao estado da barbaridade, e quase ao dos brutos e das feras.
É, portanto, do maior interesse público e particular de cada Reino, que a Religião seja respeitada, conservada e defendida. É isto o que fizeram sempre todos os Políticos e todos os Legisladores, estabelecendo e autorizando um Culto público, e uma Religião de Estado, honrando-a, consagrando-a com sábias Leis, e defendendo-a de todos os ataques e insultos, com severas penas, que se acham estabelecidas nos Códigos de todas as Nações civilizadas.
Pela Lei das doze Tábuas [na Roma Antiga] todo o sacrilégio indistintamente era punido com pena capital. Esta se ficou sempre conservando entre os Romanos, no tempo da República; porém, no tempo dos Imperadores se modificou nos casos menos graves, ficando conservada só nos outros.
Este sistema se tem seguido nas Legislações modernas de todas as Nações, e sobretudo na nossa de Portugal, que nesta parte [neste assunto] é muito severa e rigorosa.
Embora diga Montesquieu que a Divindade deve ser honrada e não vingada, esta máxima nunca foi seguida na prática pelos Legisladores de todas as Nações; e quando tratamos de questões em Direito, devemos regular-nos pelas disposições das Leis positivas, e não pelas máximas arbitrárias dos Filósofos; e muito menos em matérias de Religião.
À vista do exposto, já se vê que os crimes que ofendem a Religião, e contêm sacrilégio, são por esta circunstância muito mais graves, tanto por sua natureza, e considerados em si mesmos, como politicamente, em relação à Sociedade Civil. São crimes de Lesa-Majestade Divina, que atacam o respeito que devemos à Santidade, Majestade e Real Presença de Deus; mostram um indigno desprezo daquilo, que todos os homens mais respeitam, e até dos primeiros ofícios da Lei Natural.
Todo o homem, pois, penetrado dos sentimentos de Religião, se horroriza naturalmente com estes crimes, principalmente quando são atrozes; e o mais atroz de todos é sem dúvida o desacato, roubo e violação dos Divinos Sacrários, chegando os agressores a profanar com ímpias e sacrílegas mãos o Augusto e Divino Mistério da Eucaristia.
A Nação Portuguesa, e os nossos Maiores, olharam sempre com horror estes sacrilégios, e deram nestes casos as maiores e mais públicas demonstrações de sentimento; distinguindo-se entre todos os nossos Augustos e Fidelíssimos Monarcas, cuja piedade e respeito para com a nossa Santa Religião formou sempre o seu distinto carácter, e de toda a Real Família Portuguesa; dando não só públicas demonstrações do seu sentimento nos actos religiosos que praticaram, mas manifestaram o maior zelo no descobrimento e castigo dos delinquentes.
Assim mesmo estes atentados contra o Augusto Mistério da Eucaristia eram tão raros nos antigos tempos, que se passavam séculos, sem que acontecesse um só; pois, desde a origem de Portugal até ao Reinado da Senhora D. Maria I, contam-se sete mais notáveis.
D. Frei Fortunato de São Boaventura in «Breve notícia dos desacatos mais notáveis acontecidos em Portugal, desde a sua fundação até agora, e o sermão de desagravo pelos últimos cometidos neste mesmo ano», 1825.
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