Acabando de traduzir este artigo da humanidade despertou-se-nos a lembrança do que há pouco lemos na fala do Rei dos Ingleses, em que ele diz ter feito um Tratado com a França sobre a Escravatura, para destruir este flagelo que há tantos Séculos pesa sobre a humanidade, para cujo efeito se haviam reunir as forças navais das duas Nações em certos pontos, etc. Ora, a falarmos a verdade, a nossa política é tão rasteira, e nós tão pouco versados nas maniversas inglesas, que não podemos compreender como a humanidade Negra, que vive nos Sertões d'África, lhes mereça tanta atenção, quando a humanidade Branca, que vive debaixo de Leis férreas na Irlanda e nas Colónias em que dominam; assim como não podemos compreender como estas duas Nações se arvorassem em Procuradores dos Negros, para quem a Escravatura sem dúvida era um benefício, e dispusessem de forças Marítimas numa ocasião em que sem dúvida outras questões mais graves deviam chamar a sua atenção: também não sabemos como seja necessária essa união de Esquadras para um fim tão diminuto, como é obstar ao Contrabando dos Negros: Latet anguis in herba: aqui há serpente escondida, e é muito venenosa. Talvez se realize agora, o que há muito disse um Periódico Francês (l'Avenir) que tendo havido na França tantos Governos, desde que começou a Revolução, ainda lhe restava ter um, que era a liga do Leopardo com o Galo: cremos não estar longe. Estas Esquadras, que se diz reunirem-se por causa dos Negros, quem sabe para onde endireitarão a proa! Nos papéis Franceses se escreveu, e a nossa mesma Gazeta nos afiançou, que a Esquadra que saíra de Toulon em Junho do ano passado, ia para a Grécia, e eis senão quando aparece-nos no Cabo do Espichel, logo em Cascais, e daí a pouco em Lisboa; e se nos não enganamos, uma Curveta Inglesa fez sinais na véspera com tigelinhas, e no dia com bandeirolas, que todos viram, etc. E porque não acontecerá agora o mesmo? Que errem o rumo?! Não, não nos apanham de susto; não nos adormecem. Talvez também os 8 ou 10 mil homens que vieram para Toulon, com o fim aparente de irem para Argel mudar a Guarnição, talvez que venham entrar na Esquadra que vai defender os direitos dos Negros?! Olhem vossas mercês que há duas qualidades de Negros: Negros, a quem os raios do Sol na Zona tórrida fazem da côr de azeviche; e Negros, discípulos do diabo, que trabalham às escuras; é provável que por causa destes, e por causa da escravidão e extorsão, que um Fernando e um MIGUEL lhes preparam, se unam essas Esquadras. Mas, quid ad nos? Que nos importa tudo isso?! Toda a Nação é sempre poderosa, e demasiado forte, quando trata de defender a sua independência, a sua Religião, e o seu Rei: E que Rei?! Suspendemos por ora os nossos juízos a este respeito, e não queremos que este mesquinho papel aumente mais o número das extorsões. Ah! Se fizéssemos a oração pela passiva, que bem que ficava então esta palavra extorsões! (a bom entendedor meia palavra basta) mas lembramos sempre a todo o mundo, se possível é, que lance os olhos sobre a história do passado, e verá sempre que aquelas Nações, que têm sido auxiliadoras de Portugal, têm crescido e fizeram-se opulentas com as suas Alianças, donde resultava haver uma rivalidade imensa, sobre quem havia proteger mais este cantinho do Mundo; e pelo contrário, aquelas cuja Política era oprimir-nos, desandaram da sua grandeza e nunca mais voltaram a ser o que eram. Veja-se a Política do grande Richelieu e do profundo Pitt: e o que se encontra nela?! Dar a mão a Portugal a todo o custo, para sustentar a grandeza de qualquer daqueles Estados. Não falharam os seus planos, e a repetida experiência o mostrou. Mas uma Política, que tenha por base princípios opostos, poderá ter os mesmos resultados?! Não, não. Porque princípios diversos produzem diversas consequências. E talvez seja este o meio, de que a Providência queira servir-se para confirmar as promessas feitas ao 1º Afonso, deprimindo o orgulho, e premiando a inocência... Esta é a esperança, e quase certeza.
D. Frei Fortunato de São Boaventura in «Novo Vocabulário Filosófico-Democrático, indispensável para todos os que desejem entender a nova língua revolucionária», Nº 5, 1832.
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