Filipe II e o cometa


Conquistado Portugal pelas armas de Filipe II e reduzidos os Portugueses à miserável escravidão de Rei estranho, não faltavam inimigos da Pátria, que sendo filhos dela, se queriam consolar a si, e pretendiam consolar aos outros, dizendo: Que o Reino se manteria no sumo da felicidade e abundância, respeitado e temido de todas as Nações, na sombra de tão poderoso Príncipe, qual ficava Filipe com o Império de toda Espanha, e de umas e outras Índias; Mas é coisa digna de grande admiração e assombro, que pouco depois de ser já Senhor de Portugal, no mesmo ano de 1580, na noite deste dia [3 de Novembro], começou a aparecer no Céu um temeroso Cometa, semelhante ao que precedeu à batalha de Alcácer [Quibir]; como se o mesmo Céu quisera mostrar, que não seria menor a perda, ou perdição para o Reino, no governo deste novo Rei, do que o fora no governo do outro. Logo se viram lastimosos efeitos, e depois se foram vendo outros ainda mais lastimosos; Morreu logo a Rainha Dona Ana, quarta mulher de Filipe, e seu filho, Dom Diogo, herdeiro e sucessor da Monarquia; Contra esta se conspiraram todas as Nações do Norte, principalmente Inglaterra e França. Perderam-se duas poderosíssimas Armadas, uma, de que o Duque de Medina Sidónia era General, e outra, de que o era o Adiantado de Castela, e outra riquíssima, de que fazemos menção em outro dia. Os Ingleses entraram com mão armada em Portugal, e duas vezes invadiram e saquearam Cádis, e continuamente infestavam os portos e costas de toda Espanha, fazendo infinitas hostilidades, e represando inumeráveis navios, e ambas as Índias, e em ambas entraram com grande poder, e se fizeram senhores de não pequenas porções de uma e outra; com que vieram a ficar Portugal e Castela, muito menos poderosos e florentes depois da união, do que antes dela o haviam sido.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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