No mesmo dia [7 de Junho], ano de 1569, se começou a sentir em Lisboa um terrível contágio, que logo se dilatou por todas as Províncias de Portugal, e durou quatro para cinco meses, mas em Lisboa foi muito maior o estrago: Morriam cada dia quinhentas, seiscentas, setecentas pessoas, e no fim se achou que por todas passaram de cinquenta mil. Cresceram as ervas pelas ruas a grande altura; não cabiam os mortos nas Igrejas, e foi preciso fazer-lhe covas pelos campos, e em cada uma sepultavam a cinquenta e a mais. Talvez estavam os corpos amortalhados às portas das casas dois e três dias, sem haver quem os levasse à sepultura. De um instante para outro caiam mortos os que estavam em pé, e amanheciam sem vida os que se deitaram sãos: Andavam os homens atónitos e com gestos de defuntos, tropeçando a cada passo com imagens da morte, e com ela mesma. Por falta da comunicação com as terras circunvizinhas, começaram a faltar os mantimentos, sendo objecto lastimoso ver os homens e mulheres, velhos, moços, meninos, desfazendo-se em lágrimas, e perecendo à fome; não cessou este horrível açoite, senão nos fins do mês de Outubro do mesmo ano.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
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