Flores de Tília


Coimbra, 29 de Novembro de 1947
– Voltamos então à velha mezinha!? – protestou a ortodoxia científica e política, que agora dão as mãos, num fanatismo comovedor.
– Sim, se quiser... – respondi, com a calma que pude. – A natureza não se pode negar em si mesma, e é circular. Começa sempre onde acaba.
Por lhe ter receitado inalações de flor de tília, o homem cuidou que eu atraiçoava o progresso. E conversámos largamente. Mas quanto mais ele complicava os seus raciocínios, mais eu simplificava os meus.
– E as sulfamidas, a penicilina, a estreptomicina? As aquisições técnicas, numa palavra? Antigamente andava-se de burro; hoje anda-se de avião… Estou a ver que o senhor é um grande idealista!
– Talvez – respondi a rematar a conversa. – Mas já reparou que é tal a necessidade que o homem tem de não perder o pé nos próprios delírios, que mede a força dos motores em cavalos? As sulfamidas, claro. A estreptomicina, claríssimo. Mas, para si, agora, nada disso interessa. O aconselhável, cientificamente, são flores de tília...

Miguel Torga in «Diário», 1999 (póstumo).

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