No mesmo dia [25 de Julho], ano de 1415, partiu da barra de Lisboa El-Rei Dom João I, na mais poderosa Armada que até então havia cortado o Oceano. Constava de duzentas e doze velas, de que eram trinta e três Naus de grande força, cinquenta e nove Galés, e cento e vinte navios menores. A esta proporção era a gente e munições. Embarcou-se nela aquele esclarecido Príncipe, com quase sessenta anos de idade e poucos meses de fadigas e trabalhos, e sem que o retardasse o peso dos anos, nem o perigo do mar, nem a contingência do sucesso, nem a chaga, ainda fresca, da morte da Rainha sua mulher, que sucedera poucos dias antes, nem a peste que havia no Reino, nem outras considerações e dependências políticas de grande importância; cortou por tudo em demanda de novas conquistas e novas glórias. Havia triunfado muitas vezes em Espanha, mas sempre com dor, por serem Católicos os vencidos: Agora quis ir provar a mão nos infiéis, e foi o primeiro Rei, que de Espanha passou a África a fazer-lhe guerra. Partiu, enfim, aquela Cidade nadante, largando as velas ao vento, tremolando infinitas bandeiras, e flâmulas de várias e vistosas cores, e, repetindo ao som marcial e alegre de trombetas e charamelas, a costumada salva de Boa Viagem, se alongou e finalmente desapareceu dos olhos dos que ficavam. Dos que ficavam, digo, flutuando em outro mar de saudades e temores, por verem, que se lhe ausentavam o seu Rei, os seus Príncipes, e a flor de Portugal, sem saber a quê, nem para onde.
Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.
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