E sentindo sua morte mui cerca, sendo já manifesto, requereu que lhe dessem o Sacramento; e quando lhe foi apresentado, e contaram os artigos da Fé, como é costume, dizendo-lhe se cria assim tudo e aquele Santo Sacramento que havia de receber, respondeu ele e disse:
– «Tudo isso creio, como fiel cristão, e creio mais que Ele [Deus] me deu estes Reinos para os manter em direito e justiça; e eu, por meus pecados, o fiz de tal guisa que Lhe darei deles mui mau conto».
E dizendo isto, chorava mui de vontade, rogando a Deus que lhe perdoasse; e choravam com piedade dele, todos os que presentes eram. E assim com grande reverência e devoção recebeu o Santo Sacramento, jazendo vestido no hábito de S. Francisco. E quando veio aos vinte e dois de Outubro da Era já escrita de mil e quatrocentos e vinte e um, numa quinta-feira à noite, começou ele de se aficar, e lidando o espírito com a carne, naquela áspera hora, por se partir dela, em breve espaço desamparou o corpo e ele deu a alma a Deus, a Quem, por Sua mercê, praza de a fazer reinar com os Seus santos.
E viveu El-Rei D. Fernando cinquenta e três anos e dez meses e dezoito dias, e reinou dezasseis anos e nove meses, com grande trabalho de si e de seu povo.
Fernão Lopes in «Crónica d'El-Rei Dom Fernando», 1450.
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