Cruz


Antigo patíbulo dos malfeitores em várias nações do mundo e de diferente figura, segundo a variedade dos tempos. As primeiras cruzes eram uns madeiros direitos e às vezes troncos de árvores, em que atavam de pés e mãos o padecente. As cruzes, compostas de dois paus, foram de três maneiras. 1. De um pau atravessado pelo meio de outro, como a letra X. 2. De um pau atravessado pela extremidade superior de outro pau a plumo, como a letra T. 3. De um pau direito e atravessado por outro, não totalmente por cima dele, mas deixando um pedaço livre e mais alto que os braços da cruz, como nesta figura +, o que se pode facilmente provar com a Cruz de Jesus Cristo, em cuja sumidade havia no meio um espaço, em que sobre a cabeça de Cristo, pendente na Cruz, mandou Pilatos pôr a fatal inscrição, reputada por causa legítima de Sua morte. Nas mais célebres nações do mundo foi usado o suplício da cruz. Entre os Assírios, antes do nascimento de Abraão, Farno, Rei da Média, foi crucificado por mandado de Nino, seu vencedor. Entre os Hebreus, Janeu seu Rei, filho de Hircano, mandou crucificar oitocentos deles. Entre os Egípcios, estando José em um cárcere, foi crucificado o Padeiro do Faraó. Entre os Persas, por mandado se Assuero, morreu Amã em uma cruz de cinquenta cúbitos de alto, preparada por ele para Mardoqueu. Entre os Gregos, Xantipe, General dos Atenienses, condenou ao suplício da cruz a Artaíctes, Governador de Etólia. Entre os Romanos era tão comum a morte da cruz, que até às mulheres se dava, como se viu no exemplo de Ida, sacrílega liberta de Décio Mundo, violador do Templo de Ísis, reinando Tibério. E é muito para admirar, que sendo a cruz o mais infame dos suplícios e o castigo ordinário de ladrões de estradas, assassinos, traidores e escravos, quisesse o Filho de Deus e Eterna Sabedoria e Redentor do mundo, sujeitar-Se a este género de morte, mas achamos em S. Paulo alguma razão deste incompreensível mistério, e é que Encarnando o Verbo Divino para livrar da maldição o género humano, tomara a maldição, que na estimação dos Judeus andava vinculada com a ignomínia do suplício da cruz. Mas no mesmo tempo foi a cruz o trono e carro triunfal (como lhe chamam os Padres) em que o filho de Deus venceu a morte e o Inferno.

Pe. D. Rafael Bluteau in «Vocabulário Português e Latino», Tomo II, 1712.

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