Um sinal do Céu para Dom Sebastião


Pelos anos de 1577 servia Portugal em prevenções de guerra; Por toda a parte se ouvia o estrondo das caixas e trombetas; Preparavam-se armas e Armadas; Alistava-se gente de naturais e estrangeiros; Tudo andava revolto, tudo inquieto; E toda esta comoção nascia da precipitada resolução do infeliz Rei Dom Sebastião, que sem admitir os conselhos maduros da prudência, entregue todo aos artifícios da lisonja, queria ir em pessoa tirar um Rei Mouro e pôr outro: Avaliavam geralmente todos os seus Vassalos esta empresa por tão arriscada como inútil, e concorriam para ela forçados e constrangidos: A paz, que de muitos anos logravam em Portugal, e o ócio e delícias, que ela costuma trazer consigo, os fazia ainda mais repugnantes a entrarem em uma facção voluntária, a que, sem necessidade, se arrojava a inconsideração de um Rei moço e mal aconselhado. Crescia a mágoa em todos, porque todos eram constrangidos a concorrerem com as pessoas, ou com os tributos: Eis que improvisadamente começa o Céu a bradar com uma horrível língua de fogo, qual era um espantoso Cometa, que apareceu a primeira vez na noite deste dia [9 de Novembro], no ano referido: Apareceu no Signo de Libra, junto à Estrela de Marte, para a parte de Belém, onde então de costumavam enterrar os Reis; Era o maior que de muitos anos antes se havia visto, e durou quarenta dias: Todos o tiveram por infausto, e só El-Rei, com prontidão e agudeza, voltando a favor da sua resolução o mesmo sinal do Céu, que a encontrava, disse, jogando do vocábulo: O Cometa me diz que acometa.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.


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