D. João IV é recebido em Lisboa por toda a Corte


Sendo chegados a Vila Viçosa Pedro de Mendonça e Jorge de Melo com a notícia da felicidade com que se conseguira, como já dissemos, a gloriosa empresa da aclamação do Senhor Rei Dom João IV, vendo quanto convinha o partir logo para Lisboa, se meteu em um coche, acompanhado nele do Marquês de Ferreira e do Conde de Vimioso (que também chegaram, depois de haverem solenemente aclamado a El-Rei em Évora) e de Pedro de Mendonça e Jorge de Melo; e a cavalo, de alguns criados da sua Casa. Sem mais tropas que o seguissem, partiu o novo Rei para Lisboa a tomar posse de um Reino, que os Reis de Castela, formidáveis a todo o mundo, dominaram sessenta anos, e haviam pretender restaurar, como a pedra mais preciosa da sua Coroa. Chegando a Aldeia Galega [hoje Montijo] achou muitos Fidalgos e outras pessoas Eclesiásticas e seculares, que o esperavam; a todos recebeu benignamente, e na manhã deste dia [6 de Dezembro], em quinta-feira, se embarcou, e pelas nove horas chegou à Ponte da Casa da Índia, sendo salvado com três descargas de artilharia do Castelo e Fortalezas da Cidade, que fizeram pública a nova da sua chegada. Correu logo ao Paço toda a Nobreza a beijar-lhe a mão, e ao Terreiro tanta multidão de povo com tão grande alvoroço e tão repetidas vozes alegres, que por instantes era necessário chegar El-Rei às janelas para satisfazer as demonstrações d tão leais Vassalos. Na tarde do mesmo dia beijaram a mão a El-Rei todos os Tribunais. De noite esteve toda a Cidade iluminada e festiva com repiques dos sinos, salvas de artilharia, aclamações e vivas do povo; O que tudo sendo observado por um Fidalgo Castelhano, que se achava em Lisboa, disse: Es posible que se quita un Reino a El-Rey Don Felipe com solas luminarias y vivas, sin más Exercito, ni poder? Gran señal y efeto sin duda del brazo omnipotente de Dios. El-Rei Dom Filipe, quando lhe chegou a notícia desta gloriosa aclamação, disse: Perdí el brazo derecho de mi Imperio. Não quis Deus que fosse braço de alheio corpo o Reino que criara para cabeça de outros Reinos, conforme o que disse ao nosso primeiro Rei, falando-lhe da Cruz no Campo de Ourique: que queria nele e em sua descendência estabelecer para Si um Império. Volo in te et in semine tuo Imperium mihi stabilire.

A matutina luz, serena e fria
As Estrelas do Pólo já apartava,
Quando na Cruz o Filho de Maria
Mostrando-se a Afonso o animava.
Camões, Canto 3, Oitava 45.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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