Raro prodígio em Meliapor, na Índia


Na Cidade de Meliapor, que também se chama de São Tomé, por haver padecido nela o glorioso Apóstolo deste nome, se achou, muitos séculos depois do seu martírio, uma antiga e misteriosa Cruz: É de meio relevo, esculpida com todo o primor em fino mármore branco, borrifada com algumas nódoas de cor de sangue, as pontas rematam em flores de Liz, e sobre a do meio se vê uma bem formada Pomba, que lhe faz como sombra com as azas; Foi descoberta no tempo que a famoso Dom João de Castro governava o Estado da Índia, por cuja ordem se colocou no Altar-mor da Igreja, que já ali havia, dedicada ao mesmo Apóstolo São Tomé; Sucedeu, pois, neste dia [18 de Dezembro], ano de 1558, que ao tempo que se celebrava a Missa maior, e que se cantava o Evangelho, começou a Cruz a mudar de cor, trocando a branca, que tinha de sua natureza, em amarela, logo em negra, e depois em azul celeste, e assim como ia fazendo estas mudanças, começaram aquelas nódoas vermelhas a destilar um humor sanguíneo, em tanta copia, que o Sacerdote banhou nele os Corporais, e a Cruz ficou mais lustrosa, que de antes, com um resplandor maravilhoso, que durou enquanto durou a Missa, e no fim dela se lhe restituiu a sua cor antiga e natural: Repetia-se este raro Prodígio todos os anos, no mesmo dia e na mesma hora em que a Missa se cantava, e se viu repetido em nossos tempos, no ano de 1695, em que o Arábio tomou a Ilha e Fortaleza de Mombaça.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744.

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