A mortificação cristã


«Deus criou o homem bem ordenado», diz a Escritura. O pecado, porém, introduziu a desordem no mundo, e despojou o homem da natural rectidão e justiça original. Desordem na inteligência, que ficou obscurecida e perturbada na sua inclinação à verdade; desordem na vontade, que facilmente deixa fascinar-se do que é mau, e se sente entorpecida para o que é bom; desordem nos sentidos, que amiúde se rebelam contra a sã razão; desordem, finalmente, em todo o nosso ser e durante toda a nossa vida, a qual, no dizer do Santo Job, é uma contínua luta.
Daqui resulta a necessidade da mortificação: o homem tem de reagir contra os desmandos dos sentidos, contra a rebeldia da vontade, contra o entorpecimento da inteligência, contra tudo que possa estorvá-lo de seguir pelo recto caminho. Tem, numa palavra, de fazer violência a si mesmo, que só assim poderá alcançar o Reino do Céu, que é a só coisa necessária a que deve aspirar.
A prática de todos os cristãos, em todos os séculos, o exemplo de todos os Santos e do mais Santo de todos os homens – do Filho de Deus – a isso nos persuadem também. Não haja, pois, quem seja remisso em associar-se ao espírito da Santa Igreja, nossa mãe, que, se em todos os tempos nos exorta à penitência e mortificação, neste Santo tempo da Quaresma no-la impõe como uma obrigação grave, a que não poderemos esquivar-nos.

Fonte: «Voz de S. António: Revista Mensal Ilustrada», 6º Ano, Nº 15, Março de 1900.

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