Sobre a limpeza do Sangue


É a limpeza do sangue a coisa de que se deve fazer maior estimação, porque da mesma sorte que o humor do tronco se comunica aos ramos, o sangue dos pais se comunica aos filhos, como escreve Ovídio, bebendo estes nele as boas ou más inclinações que têm os pais, de que raras vezes discrepa a natureza dos filhos; e por isso falando Ezequiel no cap. 16 de alguns costumes perniciosos de muitos moradores de Jerusalém, herdados de seus pais, lhes diz: Bem parece que vossa geração é da terra de Canaã e que foram vossos pais Amorreus, vossas mães Teteias; e daqui nasceu o adágio: De mau corvo, mau ovo. Teodorico, segundo escreve Cassiodoro, lib. 9, Epist. 22, em o título de Conselheiro, no conselho que deu a Paulino, de pais limpos, lhe diz que em os frutos de seus bons costumes campeia o sangue de seus pais, porque de pais puros nascem filhos puros, disse Aristóteles, 3, Rhetoricor., e mais depressa se empioram do que melhoram os filhos, escreve Homero in Odiss.
É pois a limpeza do sangue uma qualidade que vem de pais e avós, a qual procede de não haver memória que algum deles traga sua origem de Judeu, ou Cristão-Novo, Mouro, ou Mulato. É um quase resplendor que nasce de haverem os pais, avós, e mais ascendentes, sempre tido e confessado a Fé Católica Romana, sem fama em contrário, derivado aos descendentes, de que se deve fazer o maior apreço, por ser o fundamento único e sólido em que se afiançam às maiores venturas, e sem o qual se fecham as portas a todas as melhoras; porque em todas as Repúblicas bem ordenadas anda junto o ser honrado com o ser puro; de maneira que ainda que possa haver limpeza sem honra, não pode haver honra sem limpeza. A Nobreza é uma opinião moral que se tem de cada um de nós, e não pode ser boa a opinião, quando no sangue se conhecem defeitos. Vícios no sangue são o defeito do material; e de material defeituoso não se podem fabricar edifícios duráveis; antes é tão certo ameaçarem ruína, quanto infalível o vício na matéria. Vícios no sangue são vícios na causa; e causa viciosa necessariamente produz efeitos viciosos; porque tal é a causa, tais são os efeitos; e por isso com discreto acordo são excluídos os Judeus, os Mouros, os Mulatos, e sobre todos com maior razão os Judeus e os Cristãos-Novos, que deles trazem sua origem.

Diogo Guerreiro Camacho de Aboim in «Escola moral, política, cristã, e jurídica», 1733.

Sem comentários: