Constituição


Constituição – Este vocábulo assim como outro igualmente desventurado, a saber – Filosofia –, muito queixosos devem estar destes últimos tempos, que fizeram aborrecível, o que de sua natureza se devia respeitar e acatar. Por ventura os Soldados de Afonso Henriques, esses varões de mão cheia, que assistiram às Cortes de Lamego, esses Ricos Homens, que tanto luziram nas Cortes seguintes, eram por aí alguns miseráveis anarquistas? Esses Reis Legisladores Afonsos, Dinizes e Joões, eram por aí alguns mantenedores da escravidão dos povos? Por ventura esse Portugal velho, que estendeu o seu nome e as suas conquistas até ao berço da aurora, que descobriu novos mundos, que sobressaiu nas armas e nas letras quando muitos povos Europeus, ou jaziam na infância social, ou na barbaridade, fez todos estes prodígios sem ter uma Constituição? Se isto fora possível, teríamos neste prodígio o maior de todos. Logo para que berravam os Pedreiros que não tínhamos Constituição? Sim, faltava o que eles entendem por Constituição e vem a ser o predomínio, ou entronização da seita, que nasceu (ou foi vomitada dos quintos dos infernos) para atropelar usos, costumes, leis, e direitos, ou sociais, ou da própria natureza! Quem não jurasse a Constituição era desnaturalizado, exterminado, e acabava de ser Cidadão Português, e quem insistia pela observância da Constituição era suspeito, era um Realista, um corcunda! Não sei como se podia ser juiz com tais mordomos; só o poderia ser quem estivesse inteirado de que a Constituição se fizera só para enganar o povo, e assegurar a esta boa sombra todos os negócios que se tratavam nas sombras da noite. Cumpre assinarmos a diferença de sentido em que os Pedreiros tomam esta palavra. Os Peninsulares, ainda um pouco temerosos de avançarem longe… fazem semblante de quererem – Monarquia Hereditária – como fundamento principal de suas Constituições, já se sabe com a própria malícia da Constituição Francesa de 1791, que declarou o Rei inviolável, e que daí a bem poucos anos lhe separou a cabeça do corpo: os Alemães, como ainda farei ver miudamente na minha “Introdução à História do Maçonismo Português”, são nesta parte melhores arquitectos – nada de Rei senão electivo, já se sabe, para que esta altíssima dignidade venha a recair em algum Pedreirão, e tudo lhe fique em casa… Ai, e mil vezes ai, dos Soberanos que se fiarem nestas Constituições modernas, talhadas pelo espírito maçónico e andejas com as Luzes do século! Tudo velho é um princípio decisivo e certíssimo em Moral, e também o é em política. As novas teorias aviltam os Reis, empobrecem as Nações, e cedo ou tarde roubam ao homem o melhor presente da Divindade à Religião! E ainda querem fazer mais ensaios, mais tentativas! Triste da geração, que é obrigada a sofrer os Optimistas. Vamos indo com os nossos usos góticos e rançosos, e deixemos gritar a Maçonaria. Nada de Câmaras à Francesa, ou à Inglesa, nada de macaquices. Tudo à Portuguesa. Quem se não pode amoldar às nossas instituições velhas e carcomidas, vá por esse mundo fora atrás das novas e fique certo de que não deixa saudades.

D. Frei Fortunato de São Boaventura in «O Mastigóforo: Prospecto de um Dicionário das Palavras e Frases Maçónicas», Nº 1, 1824.

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