Da Língua


Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: – todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; – e quem fôr possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo. Rue de Rivoli, Calle d'Alcalá, Regent Street, Wilhem Strasse – que lhe importa? Todas são ruas, de pedra ou de macadame. Em todas a fala ambiente lhe oferece um elemento natural e congénere onde o seu espírito se move livremente, espontaneamente, sem hesitações, sem atritos. E como pelo Verbo, que é o instrumento essencial da fusão humana, se pode fundir com todas – em todas sente e aceita uma Pátria.
Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos – isto é, o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo – apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito – porque as suas ideias, forçosamente, devem ter a natureza, incaracterística e neutra, que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio. Devem, de facto, ser como aqueles «corpos de pobre» de que tão tristemente fala o povo – «que cabem bem na roupa de toda a gente».
Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras, constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há ai, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio, o Vocábulo. Ora isto é uma abdicação de dignidade nacional. Não, minha senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! Mesmo porque aos estrangeiros o poliglota só inspira desconfiança, como ser que não tem raízes, nem lar estável – ser que rola através das nacionalidades alheias, sucessivamente se disfarça nelas, e tenta uma instalação de vida em todas, porque não é tolerado por nenhuma. Com efeito, se a minha amiga percorrer a Gazeta dos Tribunais, verá que o perfeito poliglotismo é um instrumento da alta escroquerie.

Eça de Queirós in «A Correspondência de Fradique Mendes», 1900.

Sem comentários: