Maria Imaculada e Portugal


Em todas as fases da História de Portugal, Nosso Senhor concedeu à nação lusa especiais graças de predilecção. E que maior graça de predilecção poderia prodigalizar, senão uma intensíssima devoção a Nossa Senhora, devoção essa que é o sinal dos predestinados?
Já vimos nos capítulos anteriores como a devoção mariana marcou profundamente a história lusa.
Desde a fundação do Reino, essa devoção estava presente de modo insigne: na cura milagrosa, atribuída a Nossa Senhora de Cárquere, de D. Afonso Henriques menino, primeiro Rei e homem-símbolo do Portugal nascente; no relacionamento com Santa Maria de Claraval, a quem Portugal foi consagrado como feudatário, como feudatário também foi de São Pedro Apóstolo; em incontáveis invocações que acompanharam passo a passo o esforço dos primeiros reis, para livrar o território luso do inimigo agareno.
Uma vez expulso o invasor, veio um período de guerras intestinas, no qual também esteve bem marcada a devoção a Maria Santíssima. Nesse período brilhou, como estrela de brilho magnífico, a virtuosíssima Rainha Santa Isabel, que perfumou toda a História de Portugal. Princesa da Casa Real de Aragão, com apenas 9 anos de idade foi para Portugal, onde completou a sua educação para a vida e sobretudo para a santidade.
Vieram depois as guerras para assegurar a independência e – bem incomparavelmente mais alto – a fidelidade à Santa Sé Romana. Também nessa fase foram muitas as devoções mariais; Nossa Senhora da Vitória, Santa Maria do Assumar, Nossa Senhora do Carmo, Santa Maria de Agosto, a Imaculada Conceição. Como homem-símbolo do Portugal dessa fase, sem dúvida se destaca o Santo Condestável.
Seguiu-se a fase das Navegações. Por toda a superfície da Terra os portugueses foram erigindo igrejas a Nossa Senhora, desde a primeira delas, em Ceuta, até o remotíssimo e tão querido e sofrido Timor, cuja Catedral, em Díli, é também consagrada a Nossa Senhora, sob a invocação da Imaculada Conceição. Homens-símbolos não faltam nesse período, desde o Infante D. Henrique com a Ínclita Geração, até, no crepúsculo dessa era de glória, o inigualável Rei D. Sebastião.
Na triste fase em que Portugal perdeu sua independência – e na perda dessa independência, como também em Alcácer-Quibir, causa próxima da perda, como não ver um castigo da Providência pelas infidelidades de seus filhos portugueses? – foi em Vila Viçosa que se concentraram as esperanças de Restauração. Vila Viçosa foi, com efeito, um foco de intensíssima devoção marial, que se irradiava para o Alentejo, para todo o Portugal continental e ultramarino. Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa foi, pode-se dizer, símbolo e penhor da Restauração. Foi a seus pés, sob seu olhar e não sem sua milagrosa protecção que se consumou em 1640 a Restauração.
Com o natural reerguer-se da nação, seguiu-se uma era de grande esplendor marial. São desse tempo a consagração do Reino a Nossa Senhora e o juramento da Universidade de Coimbra, de defender o privilégio da Imaculada Conceição.
Em todos os primeiros sete séculos da História de Portugal, sempre os reis estiveram à frente do imenso movimento global das almas em direcção a Nossa Senhora – com excepção, infelizmente, do período pombalino e, de certa forma, dos monarcas liberais do século passado, que pagaram pesado tributo aos erros do seu tempo.
O Brasil muito se beneficiou com a devoção a Nossa Senhora trazida pelos portugueses. Além do Padroado de Nossa Senhora da Conceição, literalmente incontáveis são as igrejas e capelas, sob as mais diversas invocações, consagradas no Brasil por obra dos portugueses. Essa terna e filial devoção a Nossa Senhora é precisamente um dos maiores benefícios que Portugal trouxe ao Brasil.
Já no século XX, precisamente sete anos após a instalação de uma república laica e persecutória da Igreja, Nossa Senhora Se dignou aparecer em Fátima e tomar a Terra de Santa Maria como pedestal de cima do qual falou ao mundo inteiro.
Na terceira aparição, a 13 de Julho de 1917, depois de mostrar aos três videntes o Inferno, disse a Virgem:
"Vistes o Inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração.
Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz.
A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo dos seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.
Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.
Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé, etc.
Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo".
Trata-se de uma mensagem sumamente séria, sumamente grave, mensagem profética e anunciadora de dias terríveis que ainda estão por vir. Mas mensagem que, em meio à tragédia, contém duas promessas de um valor inestimável: "Por fim o meu Imaculado Coração triunfará", e "Em Portugal se conservará sempre o Dogma da Fé".
A primeira dessas promessas é de âmbito mundial, sem dúvida; a segunda, mais restrita a Portugal, embora tenha sido formulada depois, de certa forma se ordena à primeira. De facto, só se pode entender a conservação do Dogma da Fé em Portugal como um elemento do triunfo global do Imaculado Coração de Maria, ou até como um meio para tal triunfo.
É muito bonito ver que, 800 anos depois de Ourique, em última análise Nossa Senhora veio reafirmar a mesma promessa de aliança que seu filho fizera a D. Afonso Henriques. Portugal parecia ter esquecido dela... mas Nossa Senhora veio lembrá-la.
"Quase todos os portugueses estamos convencidos de que Ela veio a esse coração de Portugal, que é Fátima, retomar o padroado da nossa terra, que pareceu quererem arrebatar-Lhe. Aquela, a quem a Igreja chama a Virgem fiel, não abandonou os que queriam abandoná-La" – disse o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira em 1946, quando se comemoravam os 300 anos da consagração de D. João IV.
Meio século depois [1996], tais palavras permanecem actualíssimas.

Armando Alexandre dos Santos in «O Culto de Maria Imaculada na Tradição e na História de Portugal», 1996.

2 comentários:

VERITATIS disse...

Nota: Não concordo com o uso da expressão "perda de independência", uma vez que "independência" dá a falsa ideia de que Portugal foi absorvido ou incorporado por Espanha. Ora tal não é verdade, o Reino de Portugal nunca deixou de existir durante a Dinastia Filipina. A monarquia filipina era dual: um rei, duas coroas, dois reinos. No entanto, os Filipes eram reis ilegítimos segundo as Actas das Cortes de Lamego que impediam que um rei estrangeiro fosse Rei de Portugal. Por isso prefiro o uso do termo "perda de soberania", visto que, durante esse período, Portugal ficou privado do seu legítimo Soberano.

Anónimo disse...

O mesmo passou com os estados da Coroa de Aragão ( Catalunha, Aragão, Valência e Maiorca) até os decretos de Nova Planta do Primeriro Bourbon, Filipe V. Só tinham em comum o rei e a Santa Inquisição.