D. Pedro, o mação.
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Após alguns anos, o Imperador do Brasil, D. Pedro, perde o
trono e decide voltar para a Europa, banir o "usurpador" [D. Miguel] e proclamar
rainha a sua filha, D. Maria. Tentativa ousada e, aparentemente, sem nenhuma
hipótese de sucesso – pois D. Miguel era o Rei legítimo e reinava
tranquilamente há alguns anos, adorado pela maioria do povo. Mas D. Pedro era
apoiado por um grupo de exilados políticos e, sobretudo, pela Inglaterra – que
não via, com certeza, com bons olhos, o reino católico e anticonstitucional de
D. Miguel. O centro dos exilados políticos localizava-se em Inglaterra. Ali
juntaram-se todos aqueles que, por convicção ou interesse, por espírito de
aventura, por paixão ou, pura e simplesmente, por mero acaso, estavam do outro
lado da barricada; por outras palavras, eram liberais, constitucionalistas e
revolucionários. Entre eles, alguns homens políticos que desempenharam mais
tarde papéis importantes no país: Palmela, Saldanha, Terceira. Verdadeiros
ditadores do liberalismo, detestavam-se mutuamente e tentavam, sempre que
tinham oportunidade, tornar-se, cada um deles, o dono absoluto do movimento.
(...)
Assim que D. Pedro chega à Europa, começam febrilmente as
preparações para a guerra civil. Inglaterra e França dão-lhe todo o apoio. Sob
um pretexto qualquer, a esquadra francesa aparece inesperadamente no estuário
do Tejo e captura boa parte da frota portuguesa. Com esse golpe, D. Miguel não
podia mais ousar uma tentativa de expedição contra os rebeldes da Terceira,
fortificados nos Açores. Em Inglaterra, improvisa-se o exército libertador: alguns
exilados, os desmobilizados das guerras napoleónicas, alguns aventureiros e
mercenários. Vários tipos de homens, na sua maioria ingleses. Um deles, Doyle,
excêntrico e fanfarrão (Oliveira Martins), proclama que tem de se fazer algo
para a libertação "daqueles indígenas desgraçados" (those damn'd natives). Os
indígenas eram os portugueses "aterrorizados" por D. Miguel. Em Londres
apareciam cartazes com o seguinte texto: "Companhia comercial e colonial
procura homens activos e inteligentes para trabalharem como fazendeiros no
Brasil ou algures". As pessoas alistam-se sem saberem para onde é que iam ser
enviadas. São empregues marinheiros ingleses e os seus capitães – todos com
excelentes salários e contratos assinados. Há dinheiro suficiente. O Governo
inglês põe à disposição de D. Pedro um empréstimo de 10.000 libras. Seguramente,
intervém também um banqueiro judeu, Mendizábal. "Um banqueiro que era ao mesmo
tempo um homem político e um fanático liberal. Todavia, como qualquer bom
judeu, sabia conciliar o entusiasmo com os cálculos, sem arriscar a sua fortuna
pelas suas ideias", escreve o historiador socialista Oliveira Martins.
Com dinheiro inglês compram-se alguns barcos e, no dia 7 de
Julho de 1832, o exército de D. Pedro – cerca de 6.000 homens – desembarca e
ocupa a cidade do Porto. (...) O Porto tem sido permanentemente um centro de
insurreição. Os generais de D. Pedro tinham escolhido sabiamente o seu ponto de
partida. Porém, a ocupação da cidade do Porto não traz consigo a revolução que
D. Pedro e os seus partidários tinham esperado. Ninguém reage. Em todo o país
reina a paz e D. Miguel pode organizar, em liberdade, o seu exército regular de
60.000 homens.
Mais do que nunca, Portugal está do seu lado. Os rebeldes
fortificam-se no Porto e ficam a aguardar. São alimentados, por mar, pela
esquadra inglesa. Os meses passam monótonos, sem nenhuma batalha decisiva. (...)
Exasperado pela inactividade, o comandante da esquadra
rebelde, o inglês Napier, parte do Porto, no dia 2 de Julho de 1833 – passado
um ano desde o começo da guerra civil – e encontra a esquadra de D. Miguel no
Cabo de São Vicente. Bastam-lhe duas horas para consumar o ataque, afundando-a
parcialmente e capturando os navios restantes, pois Napier era inglês, dinâmico
e animado por um grande espírito de aventura. Alguns dias antes da batalha
naval, parte das forças rebeldes cercadas no Porto tinha partido para o sul do
país, ocupando o Algarve. Tinha-se iniciado uma série de golpes corajosos em
pontos muito afastados uns dos outros, o que desorganizava a defesa do exército
governamental, bastante abalado pela má condução das operações, pelo cerco
insuficiente do Porto e pelos desentendimentos entre os generais. A 24 de
Julho, o exército da Terceira entra em Lisboa, evacuada pelo exército de D.
Miguel. As tropas governamentais não param de se retirar, embora o exército de
D. Miguel tenha larga superioridade de efectivos. E quando atacam, fazem-no sem
qualquer perícia, cometendo os maiores erros de táctica e estratégia. No
princípio de Outubro, D. Miguel tenta reconquistar Lisboa, mas é derrotado.
Também é vencido em Leiria, em Janeiro de 1834, em Almoster, em Fevereiro, em
Viana, em Março, e as derrotas continuam uma após outra, embora o país esteja
do seu lado, embora as suas tropas sejam valentes, embora quase ninguém o traia
ou o abandone. Mas, por uma longa série de erros, sendo sempre perseguido pelo
azar, tendo o infortúnio de surgirem em França e em Espanha movimentos liberais
que auxiliam abertamente D. Pedro, D. Miguel perde, perante o invasor, a quase
totalidade do país. Raramente se viu uma campanha militar, como esta, em que a
má sorte estivesse sempre de um só lado. Contudo, o povo não aclamava D. Pedro.
Por onde passava o exército "libertador", os mosteiros eram incendiados e o
clero escorraçado.
Com alguns milhares de homens – tudo o que lhe restava – D.
Miguel capitula a 26 de Maio de 1834, em Évora Monte, e explica ao seu exército
porque é que foi quase forçado a pôr fim a uma guerra fratricida que demorara
aproximadamente dois anos. Nas condições da capitulação mencionava-se
igualmente o direito que tinham os "miguelistas" de regressarem sãos e salvos
às suas terras. Mas esse pormenor provocou a indignação do grupo de
revolucionários em Lisboa. (...)
Mal chegando a reinar em Lisboa, D. Pedro implementou os
seus princípios demo-liberais. Expulsou os jesuítas e o Núncio Apostólico,
suspendeu as relações com a Santa Sé. Mendizábal chegou a ser um ditador e um
factótum: nomeava e substituía ministros, promulgava leis, fazia empréstimos em
nome do Estado. Entretanto, com a morte de D. Pedro, desencadearam-se em todo o
país massacres organizados contra os "miguelistas". Diariamente, centenas de
pessoas foram assassinadas e as suas casas incendiadas, sem ninguém intervir.
Um liberal que tinha lutado do lado dos contra-miguelistas, Marques Gomes,
escrevia: "É uma tristeza dizê-lo, mas é bem verdade: os vencedores não foram
generosos com os vencidos. Muitos dos vencidos de Évora Monte que, em virtude
do decreto de amnistia de 27 de Maio, regressaram às suas terras, foram
assassinados de maneira selvagem, em nome da liberdade... De nada serviram as
medidas do Governo para se pôr termo a esses excessos; os crimes continuaram e,
infelizmente, ainda por muito mais tempo". De acordo com a estatística de
Franzini, num só ano de regime demo-liberal ocorreram 3.550 assassinatos e 4.900
saques. Em 1836, Passos Manuel, que nessa altura era ministro, declarou perante
a Câmara: "De acordo com as informações das autoridades do país inteiro,
constata-se que até hoje foram cometidos 16.000 assassinatos e mais de 7.000
casas foram despojadas". Acrescenta ainda que "os dados são incompletos".
Oliveira Martins, o socialista, escreve em Portugal Contemporâneo: "O
miguelista era uma vítima, um inimigo vencido. Era caçado tal como são caçados
os lobos e qualquer ofensa anterior, qualquer crime, era punido com a morte,
sem qualquer julgamento. Considerando-se os vencidos, os dirigentes máximos de
uma soberania absoluta pagaram cem vezes mais aquilo que tinham recebido".
A guerra civil, em vez de terminar com a capitulação de Évora Monte, irá ainda continuar por muitos anos. Portugal fica abalado, desunido, vítima fácil das sociedades secretas. A derrota de D. Miguel não significou apenas a abolição da Monarquia Legítima, mas sobretudo a orientação de Portugal numa direcção anti-tradicionalista, onde a maçonaria desempenha um papel maior.
Mircea Eliade in «Salazar e a Revolução em Portugal».
3 comentários:
Portugal é so uma das peças do tabuleiro usado para o desmonte da cultura e da civilização Ocidental, que começou há 500 anos.
E hoje a Inglaterra, Holanda, Suécia, Alemanha e França, os liberais, vergam vestes ao islamismo. Mais uma nova estratégia da maçonaria em conjunto com os movimentos revolucionários à exemplo do socialismo/comunismo.
Não precisa muito exercício mental, para dizer onde isso tudo vai dar.
Eduardo
Prezados senhores,
O livro de Eliade "Salazar e a a Revolução Portuguesa" se esgotou rapidamente e hoje é rarissímo...
Acaso não haveria a possibilidade de vocês o digitalizarem e o tornarem disponível em algum link ou site tipo scribd?
Obrigado.
http://www.wook.pt/ficha/salazar-e-a-revolucao-em-portugal/a/id/10635113
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