(continuação da parte VI)
Declara-se o fundamento da história e diálogo que é uma
peregrinação, que três Teólogos pregadores do Colégio Real da Purificação da
Universidade de Évora fizeram a Nossa Senhora de Guadalupe.
Entre outras muito magníficas e reais obras, que o Sereníssimo
Rei Dom Henrique, de gloriosa memória, fez sendo Cardeal e Arcebispo de Évora,
depois de haver fundado o Colégio da Companhia de Jesus e sua Universidade, com
largueza e magnificência que convinha a sua pessoa Real, e zelo que tinha do
acrescentamento da religião Cristã foi levantar de novo Colégio para Colegiais
Teólogos, que chegassem a número de cento, e este com tanta grandeza e
formosura de edifício, que bem parece obra digna de tal Rei. Nele se recebem os
Colegiais por oposição e concurso, como se costuma em todas as outras
Universidades, e recebidos se criam todos em letras e virtude, como convém ao
fim para que são recebidos. E porque o que pretendeu seu fundador foi ajudar as
almas de todo este Alentejo, e Reino de Portugal, sua ocupação (depois da que
tem nas letras) e de exercícios muito acomodados à perfeição do Sacerdócio e
pregação Evangélica a que todos vão encaminhados, sendo em tudo ajudados do
Reitor do Colégio e Universidade da Companhia, a que está em tudo sujeito este
da Purificação.
Introduzimos pois (imitando muitos e graves autores) o
que realmente muitas vezes aconteceu em semelhantes colégios, três Colegiais
sacerdotes e pregadores, todos de muitas letras e exemplo de virtudes, entre os
quais havia particular amizade espiritual, todos muito zelosos da honra de
Deus, e de aproveitar as almas, com pregar e confessar, o que muitas vezes
tinham feito e por tempo. Um deles se chamava Anselmo, homem já de idade e que
por muitos anos se tinha ocupado em pregar em diversas partes deste Reino.
Marcelo era também pregador e muito inclinado a ouvir confissões, com que tinha
feito grande fruto: e Eusébio era Diácono, que tinha acabado seus estudos de
Teologia e dava esperanças de que havia de ser um grande sujeito e instrumento,
de que os prelados se ajudassem de seu talento.
Depois que entraram naquele Colégio, se assinalaram em
letras e virtude, e como tinham os mesmos intentos para os levar adiante,
tratavam todos três muito particular amizade, ocupando-se sempre em santos
exercícios, de modo que quem os via dizia que não lhes faltava nada para ser
religiosos senão a profissão e hábito. Atava esta amizade uma particular
propriedade que todos três tinham, a qual era serem muito devotos de Nossa
Senhora, e muitas vezes quando se ajuntavam falavam dela e tratavam de suas
devoções, e do modo com que fariam devoto a todo o mundo. Chegado o tempo das
férias, que começa o primeiro de Agosto e acaba o último de Setembro, estando
todos três em boa conversação, disse Anselmo: Temos chegado às férias, nas
quais são muito diferentes as ocupações e exercícios, que os estudantes nelas
tomam para suas recreações, eu desejo alguma que fosse de proveito para nossas
almas e para as dos próximos. Certo, respondeu Marcelo, não se pode cuidar
melhor coisa que ela, nem empregar o tempo em outra. Alegrou-se muito Eusébio e
disse: Este mesmo pensamento tive esta manhã, desejando de não passar ocioso
estes dois meses de férias, mas não me ocorreu até agora exercício em que os
pudesse bem gastar, e aquela que apontou o senhor Anselmo, que seja proveitosa
para nossas almas e para as dos próximos, me contenta sobre todas: mas ainda
até agora não dou no particular dela. Muitas pode haver, acudiu Anselmo, muito próprias
de sacerdotes e pregadores, como todos somos, e a mim se me oferece uma que
cuido todos devem de aprovar, e é, que façamos todos três uma peregrinação a
Nossa Senhora de Guadalupe, pregando no caminho a todos e em todos os lugares,
vilas, e a imitação de Cristo, a devoção do santíssimo Rosário, e da Coroa e de
seus milagres, e outras devoções, e com isto confessaremos a todos os que se
quiserem confessar, e ensinaremos a doutrina aos que a quiserem ouvir. Ficaram
estranhamente contentes Marcelo e Eusébio com o alvitre de tão boa e santa
ocupação, e confirmou Marcelo o intento de Anselmo, com dizer assim se
costumava antigamente, e que de Roma os Papas mandavam sacerdotes pregadores
por toda a Itália, para que pregassem e confessassem, e o mesmo faziam os
prelados que tinham zelo de aproveitar as suas ovelhas, e que havia poucos anos
que o Cardeal Bartolomeu Arcebispo de Milão viera a pé, em forma de peregrino com
alguns seus clérigos a Sabóia adorar o Santo Sudário, e naquela peregrinação fizeram
tão grande fruto, assim com a doutrina, como com o exemplo: e se os Cardeais
isto faziam em Itália, que também seria de muita edificação fazerem-no os sacerdotes
em Portugal, e em Évora. Estando todos neste acordo, foram dar conta ao Reitor
da Universidade deste seu conselho e peregrinação, o qual como homem muito
espiritual e zeloso da honra de Deus, se alegrou grandemente de ver seus santos
desejos, e abraçando-os a todos com muito amor, lhe deu sua bênção e os animou
com muitos santos conselhos, louvando a boa obra em que se ocupavam, e que
teria muito cuidado de os mandar encomendar a Deus, para que fosse muito servido
nesta peregrinação. Eles despedidos de todos os Colegiais, se partiram caminho
direito de Nossa Senhora de Guadalupe, no qual lhe aconteceram as coisas que a história
nos irá descobrindo.
(continuação parte VIII)
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