Da primeira embaixada de Portugal a Ormuz


Instruções dadas por D. Afonso de Albuquerque ao representante português:

Com esta carta deu a Ruy Gomes apontamentos do que havia de fazer e dizer, a saber: que ele nunca se apartaria da pessoa do embaixador, e não pedisse nada, por mingua que tivesse, nem comesse mais do que lhe dessem, nem o pedisse, e que nada perguntasse, nem se espantasse de nada que visse, nem se detivesse por olhar nada, nem se mostrasse merencório por nada que lhe fizessem, nem se risse de chocarreiros, nem de coisa que visse, nem falasse nunca, somente respondesse ao que lhe perguntassem, nem por nada perguntasse. E que em todas suas coisas se mostrasse muito repousado e vagaroso. E que indo ante a pessoa do Xeque Ismael lhe fizesse muito maior cortesia do que visse que outros lhe faziam, e que ante ele nada fizesse, nem falasse senão com ele, e que lhe perguntando das coisas de Portugal, e d'El-Rei, de tudo lhe desse tal relatório que o Xeque Ismael folgasse de o perguntar e ouvir; recontando-lhe as grandezas da pessoa d'El-Rei, e da Rainha, e seus serviços, casas reais, vestidos, riquezas de suas pessoas, fidalgos, damas, corte, cidades, vilas, rendas, armadas, conquistas d'África, amizades, casamentos com os Reis cristãos seus vizinhos; e de nossa fé e adoração somente o que ele perguntasse, e tudo em tal ordem, e com tanto aviso, que não caísse em erro de mentira, nem falar a coisa duas vezes; e a língua não falasse nada mais que o que ele falasse, e que se fosse possível, hora nenhuma se apartasse do embaixador, nem saísse da casa em que o aposentassem, e que a língua ou o seu moço em apartado que o não vissem; e escrevesse todas as lembranças que lhe bem parecesse do que visse e ouvisse. E que nunca pedisse seu despacho para importunação, e que desse esmola a quem lha pedisse, e que por coisa deste mundo lhe não viesse a tentação de mulher, nem ele, nem seu língua, nem criado: e com isto outras substâncias de muita prudência e aviso, como cumpria, por ser o primeiro português que fora ante o Xeque Ismael; e lhe deu dinheiro para seu gasto em abastança, com que foi seu caminho.

Gaspar Correia in «Lendas da Índia», 1526.

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