Sobre a educação dos filhos


Amar é querer algum bem à pessoa amada. Os pais que repreendem e castigam a seus filhos, que lhes apertam o freio em seus apetites, que lhes quebram as suas próprias vontades, que velam sobre as companhias em que andam, exercícios em que se ocupam, e que fazem os mais ofícios de uma boa e solícita educação, o que com isto pretendem para seus filhos é, quanto ao temporal, que logrem vida, saúde e honra, e boa opinião, e tenham préstimo para os ofícios públicos e honrosos, etc.; e quanto ao espiritual, o que pretendem é que tenham virtude e a graça de Deus, e ultimamente consigam o morgado da felicidade eterna.
Pelo contrário, os pais que se descuidam desta boa educação, o que podem pretender, quanto ao temporal, é que os filhos vivam a seu gosto, sem coisa que os contriste ou penalize, que comam, e bebam, e galem, e engordem, e passem, e se façam temidos, ou célebres, ou invejados por algumas prendas naturais, ou pelas riquezas. Quanto ao espiritual nada pretendem; descuidando-se disso totalmente, e deixando-o à comum Providência de Deus; e o que a experiência quotidiana mostra resultar daqui, são muitas desgraças do corpo e da alma, brigas, encontros, mortes, amizades torpes, gastos excessivos, prisões, doenças, desterros, parcialidades, glutonarias, casamentos infelizes e indecorosos, até que amontoando-se pecados sobre pecados, se vem a incorrer na perdição eterna.
Pois perguntara eu agora, qual destes pais ama verdadeiramente a seu filho? De tal sorte formou Deus o nosso entendimento, que proposta ante seus olhos a luz da razão, não possa deixar de reconhecê-la. Claro está que aquele primeiro pai tem amor verdadeiro a seu filho; e que este segundo lhe tem amor falso, com os mesmos efeitos, que se fora ódio fino: Qui parcit virgae, odit filium suum; qui autem diligit illum, instanter erudit illum. O primeiro livra-lhe a sua alma do inferno, ao mesmo tempo que o castiga: Tu virga percuties eum, et animam ejus de inferno liberabis. O segundo ao mesmo tempo que o anima, o vai precipitando no inferno, como cavalo a quem se solta a rédea: Equus indomitus evadit durus, et filius remissus evadet praeceps.

Pe. Manuel Bernardes in «Discurso sobre a Educação», 1908 (póstumo).

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