Para governar os homens é preciso conhecer como os homens são, e não como em teorias filosóficas eles podiam ser. Tudo o que se não derivar deste princípio será um erro que acabará em desgraças. As leis com que por tantos séculos se governaram os Povos, foram feitas com a prévia observação até de suas mesmas inerentes imperfeições, a elas se acomodavam, e delas mesmas se prevaleciam para buscarem, e conseguirem a felicidade geral e particular dos mesmos Povos. Não se pode entender a ideia sociedade, que se não entenda um corpo moral que supõe logo governantes e governados: como se não pode considerar o corpo humano orgânico e perfeito, sem membros e cabeça, e sem se pressuporem leis físicas pelas quais se harmonizem e se governem. Estas leis são conformes, não à ideia abstracta de uma perfeição hipotética, mas ao estado real do mesmo composto humano; na mesma proporção devemos considerar o composto moral que se chama sociedade, por isso as Leis devem ser conformes ao estado actual e não ao hipotético. Este conhecimento prático tiveram todos os Legisladores do Mundo, excepto os Pedreiros-livres e a sua infernal reforma, os Carbonários. Há quase dois séculos que o inglês Hobbes concebeu o projecto do melhoramento das humanas sociedades com uma nova Constituição: este projecto foi concebido com boa-fé; tratado e expendido depois por outros Filósofos que seguiram seus passos, abraçando e explicando mais a sua doutrina, e em França, e pela Europa toda a estendeu e assoalhou João Jacques, e também, como eu suponho, de boa-fé. Os Pedreiros-livres, e após eles os bons Primos Carbonários, acharam aqui um caminho e um poderoso instrumento para diabólicas vistas de ambição e de domínio, pois o primário intento e fito da Veneranda, é escravizar a Terra, roubar sem cerimónia nenhuma todos os bens deste Mundo, e reduzir a cinzas os Tronos e os Altares. Para o conseguirem (e isto está demonstrado com evidência no livro que se chama o Espectador) arbitraram Constituições, ou complexos de princípios Legislativos refalsados; e capciosos, que lisonjeassem e beliscassem a paixão mais natural aos homens, a inata vaidade que se fomenta pela fantástica ideia de grandeza, de dignidade, de Soberania, e de Liberdade, tudo isto querem os homens, e contentando-se só com as palavras, sem lhe sondarem e analisarem o sentido, se deixam cair nas peãs e nos laços que os deixam depois escravos sem Liberdade e sem camisa, e prometendo-lhes grandes bens, não vem a sentir por fim mais que grandes males e grandes desgraças, e os Pedreiros-livres que os lograram dando pasto à sua ambição, vem a sentir grandes venturas e grandes opulências, porque o fundamento da sua apurada moral é este: «Nada importam os meios, contanto que se consigam os fins». A escravidão, a pobreza, o extermínio, a miséria, o sangue, a morte, o transtorno, a desolação, as masmorras, os cadafalsos, as lágrimas, a orfandade, a viuvez, o luto, a tristeza, a confusão, a anarquia, tudo isso são bagatelas contanto que a Veneranda venha a dominar e a roubar todo o género humano.
Pe. José Agostinho de Macedo in «A Tripa Virada», Nº 3, 1823.
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