O mito da grande imprensa


Como veículo das ideologias, a chamada grande imprensa merece um tratamento especial. De facto, os grandes jornais mundiais estão geralmente associados à informação objectiva, à notícia correcta, ao profissionalismo mais completo, enfim, ao jornalismo como deve ser. Para o efeito cita-se Le Monde, The Times, The Economist, Die Welt e outras publicações periódicas de âmbito mundial, como símbolo da independência e da análise desapaixonada dos assuntos. É o mito da grande imprensa, tendente a fazer aceitar como verdades incontestáveis tudo o que aparece nas suas páginas. Ora, um exame mais atento deste problema indica que essa reputação anda longe de corresponder aos factos.
Em primeiro lugar, há por detrás dessas publicações a questão do mercado. Em sentido económico, isto quer dizer que a publicação, para ser rentável (cobrir as despesas), não pode desagradar aos seus consumidores e muito menos aos seus anunciantes, que constituem as principais fontes de entrada de dinheiro. Não podem, portanto, colidir com os interesses das multinacionais ou com os gostos dos seus leitores. Se isso viesse a suceder, a empresa jornalística tornar-se-ia deficitária e acabaria comprada por uma multinacional ou simplesmente desapareceria do mercado.
Por outro lado, o director e os redactores têm as suas próprias idiossincrasias, as suas preferências partidárias, as suas adesões ideológicas. Tudo isso transparece na forma do jornal, nos títulos, no modo de redigir a notícia, na disposição das fotografias, no método de abordar os assuntos. Sob a capa de neutralidade, há toda uma focagem muito particular do acontecer político-social.
A tudo isto soma-se a mentalidade nacional das publicações, que procuram defender os interesses dos seus respectivos países, acompanhando frequentemente o poder político nas suas acções a nível mundial, ou até mesmo preparando o terreno para certas diligências através de campanhas bem orquestradas.
Outro factor que normalmente se esquece é a corrupção. Como em todas as actividades relacionadas com o poder, directa ou indirectamente, há sempre a possibilidade de comprar espaço e tempo nos meios de comunicação, subornar os redactores e directores, comprar campanhas, e, inclusive, comprar os próprios meios de informação.
Por outro lado, a evolução da técnica respeitante ao jornalismo, a subida das matérias-primas, o custo da mão-de-obra e do pessoal especializado, faz com que a larga maioria das publicações de importância mundial caiam nas mãos de fortes empresas internacionais, que as utilizam como meios de pressão sobre o poder político e instrumentos de luta no campo económico. Os jornalistas são autorizados a algumas originalidades, desde que não vão contra a política geral do grupo económico-financeiro (caso do Washington Post e da celebérrima denúncia de Watergate), mas em muitos não deixam de ser empregados de uma cadeia que tanto produz revistas como sabonetes e detergentes.

António Marques Bessa e Jaime Nogueira Pinto in «Introdução à Política», 1977.

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