Ao Menino Deus em metáfora de doce


– Quem quer fruta doce?
– Mostre cá! Que é isso?
– É doce coberto,
É manjar divino.

– Vejamos o doce,
E depois que o virmos,
Compraremos todo,
Se for todo rico.

– Venha ao portal logo;
Verá que não minto,
Pois de várias sortes
É doce infinito.

– Descubra, minha alma.
Mas ah! Que diviso?
Envolto em mantilhas,
Um Infante lindo!

– Pois de que se admira,
Quando este Menino
É doce coberto,
É manjar divino?

– Diga o como é doce,
Que ignoro o prodígio.
– Não sabe o mistério?
Ora vá ouvindo:

Muito antes de Santa Ana,
Teve este doce princípio,
Porque já do Salvador
Se davam muitos indícios.

Mas na Anunciada dizem
Que houve mais expresso aviso,
E logo na Encarnação
Se entrou por modo divino.

Esteve pois na Esperança
Muitos tempos escondido,
Saiu da Madre de Deus,
Depois às Claras foi visto.

Fazem dele estimação
As freiras com tal capricho,
Que apuram para este doce
Todos os cinco sentidos.

Afirmam que no Calvário
Terá seu termo finito,
Sendo que no Sacramento
Há-de ter novo artifício.

Que seja doce este Infante,
A razão o está pedindo,
Porque é certo que é morgado,
Sendo unigénito Filho!

Exposto ao rigor do tempo,
Quando tirita nuzinho,
Um caramelo parece
Pelo branco e pelo frio.

Tal doce é, que, porque farte
Ao pecador mais faminto,
Será de pão com espécies,
Substancial doce divino.

É manjar tão soberano,
Regalo tão peregrino,
Que os espíritos levanta,
Tornando aos mortos vivos.

Tão delicioso bocado
Será de gosto infinito,
Manjar real, verdadeiro,
Manjar branco, parecido!

Que é manjar dos Anjos, dizem
Talentos mui fidedignos,
Por ser pão-de-ló, que aos Anjos
Foi em figura oferecido.

Jerónimo Baía (1627-1688)

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