Estrabão sobre a Lusitânia (1ª Parte)


Se se retomar desde o princípio, a partir do Promontório Sagrado [Sagres], para o outro lado da costa, em direcção ao Tejo, há um golfo, depois um cabo, o Barbário [Cabo Espichel], e perto deste, as embocaduras do Tejo; até elas, em navegação em linha recta, estádios [...] são dez. Existem também ali estuários, dos quais um avança mais de quatrocentos estádios a partir da mencionada torre, ao longo do qual se erguem povoações [...].

O Tejo tem de embocadura uma extensão de vinte estádios e uma grande profundidade, de modo que pode ser subido por cargueiros com capacidade para dez mil ânforas. Quando as marés têm lugar, forma dois estuários nas planícies que se situam para o interior, de modo que se estende como um mar por cento e cinquenta estádios e torna a planície navegável; no estuário superior circunda uma pequena ilha de cerca de trinta estádios de comprimento, e de largura um pouco aquém do comprimento, fecunda e com belas vinhas. A ilha fica diante de Móron [Santarém], cidade bem situada numa elevação perto do rio, a uns quinhentos estádios do mar, e também com uma terra fértil em redor e com as navegações fáceis até uma distância considerável, inclusive para grandes embarcações, embora o resto do percurso, apenas para barcos de rio (e acima de Móron, o Tejo é navegável por uma distância ainda maior). A esta cidade, Bruto [Cônsul Romano], denominado o Galaico, usou-a como base de operações quando lutou contra os Lusitanos e os submeteu. [...] poderia ter as navegações desimpedidas e o abastecimento dos víveres, de modo que, de entre as cidades em redor do Tejo, são estas as mais poderosas. O rio, por outro lado, é abundante em peixes e está repleto de bivalves. E tendo a sua nascente entre os Celtiberos, corre através de Vetónios, Carpetanos e Lusitanos em direcção ao ocidente equinocial, sendo paralelo até certo ponto ao Anas [Rio Guadiana] e ao Bétis [Rio Guadalquivir], mas afastando-se deles depois, quando se desviam para a costa sul.

Os povos estabelecidos para o interior das regiões mencionadas são os Oretanos, que ficam mais a sul e se estendem até à costa da parte de cá das Colunas [Estreito de Gilbratar]. Os Carpetanos, por seu turno, vêm a seguir a estes, para norte, depois Vetónios e Vaceios – por cujo território corre o Douro, que tem travessia em Acúcia, uma cidade dos Vaceios. E os últimos são os Galaicos, que ocupam uma grande parte da zona montanhosa (por isso, ao serem também os mais difíceis de combater, eles próprios deram o sobrenome ao que submeteu os Lusitanos e fizeram com que à maior parte dos Lusitanos se chame ainda hoje Galaicos). Da Oretânia, sem dúvida, as cidades mais poderosas são Castulo e Oria.

A norte do Tejo, a Lusitânia é o maior agregado populacional dos Iberos e o combatido durante mais tempo pelos Romanos. Delimitam esta região, do lado sul, o Tejo; a oeste e a norte, o Oceano, e a este, os Carpetanos, os Vetónios, Vaceios e Galaicos (povos estes conhecidos; os outros, nem vale a pena nomeá-los, devido à sua pequena dimensão e falta de renome); ao contrário dos contemporâneos, porém, alguns chamam-lhes também Lusitanos. Os Galaicos são, pela parte oriental, vizinhos do povo das Astúrias e dos Celtiberos; os restantes, por seu turno, apenas dos Celtiberos. Assim, o comprimento da Lusitânia é de três mil estádios, mas muito menor é a largura entre o extremo oriental e a costa. O lado oriental é alto e escarpado; todavia, a região situada a seus pés é toda plana mesmo até ao mar, à excepção de algumas elevações que não são grandes. E por isso, decerto, Posidónio afirma que Aristóteles não atribui correctamente a causa das marés altas e baixas à costa (ao longo da Ibéria e da Maurúsia), pois terá dito que o mar se agita em fluxos e refluxos por causa de os promontórios serem altos e escarpados, os quais não só recebem a onda com resistência, como também a devolvem [...]. Mas pelo contrário, para ser exacto: a maior parte deles é arenosa e baixa.

Ora a região de que estamos a falar é fértil e atravessada por rios grandes e pequenos, todos eles fluindo desde as partes orientais, paralelos ao Tejo; e a maior parte deles tem navegações rio acima e uma grande quantidade de pepitas de ouro. Destes rios, os mais conhecidos, a seguir ao Tejo, são o Mondego, que permite uma pequena navegação rio acima, bem como o Vouga. Depois destes o Douro, que vem de longe e corre por Numância e por muitas outras povoações de Celtiberos e Vaceios, e que é navegável para grandes embarcações por cerca de oitocentos estádios. Em seguida outros rios, e após estes o Letes, a que alguns chamam Lima e outros Belião; também este flui desde território dos Celtiberos e Vaceios. Depois deste, o Báinis (outros, no entanto, dizem Minho), de longe o maior dos rios na Lusitânia e igualmente navegável por oitocentos estádios (Posidónio afirma que este corre desde território dos Cântabros). Diante da sua embocadura situam-se uma ilha e dois quebra-mares com ancoradouros. É justo louvar a natureza, porque estes rios têm as margens altas e capazes de receber o mar nos seus canais quando a maré sobe, de modo que não transbordam nem inundam as planícies. Foi precisamente este o limite da campanha de Bruto; mas mais adiante existem muitos outros rios, paralelos aos mencionados.


Estrabão in «Geografia», Livro III, século I d.C.

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